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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

FIGO

era um cheiro de figo
mas não havia o figo maduro
apenas bagas crescendo sobre as folhas
era uma manta verde de folhas grandes
 e da manta verde vinha o cheiro do figo
não era a mim que o cheiro incendiava
era um outro menino esticando o braço até o nunca
para colher a fruta aberta e levá-la ao nariz
e guardar esse cheiro pro futuro


Antonio Carlos Floriano


LUTA DE CLASSES

no chão um cego esmoler imundo
pede uma moeda pro mendigo
e ele: vai trabalhar vagabundo

Paulo de Toledo

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O CHEIRO DAS TANGERINAS



Rígidos em sua cor
os minerais são apenas
extensão e silêncio.
Nunca se acenderá neles
- em sua massa quase eterna -
um cheiro de tangerina.

Como esse que vaza
agora na sala
vindo de um pequena esfera
de sumo e gomos
e não se decifra nela
inda que a dilacere
e me respingue
o rosto e me lambuze os dedos
feito uma fêmea.

E digo
- tangerina
e a palavra não diz o homem
envolto nesse inesperado delírio
que vivo agora
a domicílio
(de camisa branca
e chinelos
sentado numa poltrona) enquanto
a flora inteira
sonha à minha volta
porque nos vegetais
é que mora o delírio


Ferreira Gullar


Poema de Henrique Lihn

Del mar espero barcos, peces, olas


Del mar espero barcos, peces, olas

del cielo nada más que sol y viento,

la lluvia, el arco iris y el aliento;

de la tierra no verme en ella a solas.


Espero de la tierra no hacer colas

ni así hormiguear buscando mi sustento;

quiero en todo ganar el mil por ciento

y pasármelo todo por las bolas.


No quiero nada más que lo imposible

yo que, modestia aparte, lleno el mundo:

el pez más grande y menos comestible:


hacer en paz la guerra a medio mundo

y a la otra mitad. Indestructible,

plaga del pobre, horror del vagabundo.


de Por fuerza mayor, 1975 y París, situación irregular, 1977
extraído de http://web.me.com/matiasayala/Enrique_Lihn/Inicio.html

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cem anos do nascimento de Carlos Drummond de Andrade


JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Áporo
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.