No
"Romance grego ainda sem nome", do escritor Cavaal Saféris, que sabe
um capítulo de outro capítulo? Nada, mas Cavaal, que já leu todos os capítulos,
liga-os e conclue que, se neles há páginas melancólicas e grotescas, há outras
de candura e fecundadas pelo acaso.
Enquanto
remexe as brasas com o caco da ânfora, e arruma entre as pedras achas de
sicômoro seco, Cavaal tem sérias dúvidas se, depois que for enterrado na tumba
escura, encontrará algum dia a criatura da sua solidão.
Logo no
primeiro capítulo de "Romance grego ainda sem nome", ele escreve: “Li
em algum lugar que apenas o mundo espiritual existe. O que chamamos de mundo
físico é o mal do mundo espiritual. O fato de que existe apenas o mundo
espiritual priva-nos da esperança e nos propicia a certeza. E mais: é uma lei
do espírito só encontrar o que não procurou”.
Se não
esquecemos, não nos tornamos humanos.
A esse
Cavaal Saféris não é a chuva, mas o rumor da chuva que o lava. A língua dele, ao
se comover com a extinção dos ossos e das árvores, abana-se com o vazio da
boca.
Para
entoar o Cântico dos Cânticos, Cavaal Saféris faz ablução com areia debaixo do
baobá africano, depois anota no capítulo primeiro do seu “Romance grego ainda
sem nome”: “Olho o mar através das fissuras da parede e vejo as barcas e os
peixes, os ventos e o sal nos velames, as crianças à sombra das árvores no
verão, e não posso deixar de me comover com a única deusa que respira nessa
praia – deusa ou música – música que detém as palavras e as impele, até que
elas acordem o cristal de rocha”.
No
último capítulo de seu livro "Romance grego ainda sem nome", Cavaal
escreve: “O que quero dizer é que procuro um lugar no qual eu esteja deitado,
sem risco de inundações e, se for possível, à sombra das árvores no verão. Não
consigo desviar meu pensamento do fato de que toda a história do mundo não é
mais que um livro de imagens refletindo o mais violento e mais cego dos desejos
humanos: o desejo de esquecer”.
Fernando José Karl