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quarta-feira, 24 de março de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

Crônica publicada no jornal A Notícia em 24/03/2010

A POESIA MARGINAL

A poesia é de todos os gêneros literários, aquele que fica mais à margem. É como se o terreno da poesia fosse uma terra de ninguém, um vasto campo de experimentações, e à medida que essas experimentações foram sendo feitas, a poesia foi se encastelando, ora em torres de marfim, como no simbolismo, ou no mundo misterioso e paralelo do surrealismo, ou no grande apreço que se deu à forma, ao objeto poema, do concretismo. Por se colocar, em sua maioria, tão à margem, por estar nesse campo entre a loucura e o sonho, entre a ousadia da linguagem e o hermetismo, a poesia foi reduzindo consideravelmente seus leitores, que nunca foram muitos, é bom que se diga. Um dos mais importantes movimentos literários recentes no Brasil foi a “poesia marginal”. O nome em si já me parece um pleonasmo, um “entrar pra dentro”, dada a condição marginal da poesia. O interessante é que o movimento poético surgido na década de 1970, tenta justamente sair desta margem, recomeçar um diálogo que já existiu entre o povo e os poetas. Era a poesia do momento e para o momento, sem pensar muito em perenidade. Os poetas marginais se apoderaram de uma linguagem não-poética, não elevada, totalmente cotidiana, para construir seus poemas aparentemente descartáveis, um reflexo do tempo descartável que estavam vivendo. Obviamente, esse movimento perturbou não apenas o sistema político vigente, mas o próprio sistema poético, pois parecia uma traição abandonar a margem segura onde a poesia estava instalada para se aventurar numa linguagem baixa, suja, misturada com a poeira das ruas. Mais do que marginais ao sistema, os poetas eram marginais à própria poesia canônica, clássica, talvez por isso adjetivo “marginal” colado a esse movimento, me pareça, sob o ponto de vista do sistema, algo pejorativo, mais associado à vagabundagem, à malandragem, à falta de seriedade. No entanto, os poetas assumiram a marginalidade e a consequente liberdade que ela proporcionava e fizeram disso matéria prima para a sua escrita, alterando a ordem vigente, preenchendo os espaços possíveis naquele período, justamente com a sua voz marginal, desregrada, não séria e fazendo da poesia aquilo que José Carlos Capinan disse que ela era: “a lógica mais simples” e por isso tão desarticuladora da ordem estabelecida. Passados mais de 30 anos, alguns dos poetas marginais já estão participando do cânone, já estão nas escolas sendo citados como exemplo literário a ser seguido. Apesar da aparência desleixada dos poemas, e dos próprios poetas, eles sabiam muito bem o que estavam fazendo. Além disso, é uma tendência natural, os movimentos artísticos surgem, rompem com o estabelecido e depois se estabelecem à espera da próxima ruptura. Nisso a arte não difere muito da vida.

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