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segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Poética 1 - Claudio Willer

então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refletindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então
marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando
pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas,
os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou,
até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e
expondo as sucessivas camadas do que tem a ver – onde a proximidade dos
corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo

DE VIRGINDADES E ESTUPROS

POR MARCO VASQUES

Publicado no jornal Notícias do Dia [12/11/2012]


Quando alguém se preocupa em demasia com a vida sexual alheia é batata! Leitor, não tenha dúvida. Algo de errado sombreia a atividade hormonal daquele que aponta os dez dedos para condenar ou afirmar esta ou aquela atitude sexual do vizinho. Convenhamos que se fala mesmo é  da vizinha, pois a vida sexual de um homem heterossexual nunca está em questão. Sua privacidade é ouro. 
O que fica estranho é querer comentar o que não se pode afirmar. É como uma categoria de intelectual muito vigente em Bundópolis, que costuma falar inflamada de livros que nunca leu, de autores que sequer sabe escrever o nome.  Porque existem coisas que não mudam. Homem virgem falando de sexo e intelectual analfabeto são coisas comuns até em departamento de universidade. E abundam em Bundópolis.
Enquanto isso: crianças morrem de fome todos os dias; mulheres são espancadas a cada minuto e outras tantas assassinadas; a educação não é prioridade; nos corredores de hospitais públicos morrem crianças, jovens, adultos e velhinhos; está mais fácil ganhar na loteria que comprar a casa própria; a polícia, como bem afirma Foucault, está a serviço do judiciário, não da população; a corrupção está generalizada; os quatrocentos anos de escravatura declarada se foram, mas aqui estamos em uma escravidão cruelmente velada; enfim, estupros e mais estupros são praticados todos os dias contra toda a espécie de direito humano.
E a mídia, a chamada grande mídia, passa todos os anos por estes assuntos, sempre de maneira superficial e aterradoramente hipócrita. Então, uma moça, que é dona de seu corpo e deve fazer dele o que bem quiser e entender, resolve vender a virgindade, antes que alguém o faça por uma ninharia, e vira assunto nacional, aliás, internacional. Como se vender a virgindade fosse coisa nova. Nem faz muito tempo, quem vendia o hímen da moçada eram os próprios pais. Alguns, inclusive, resolviam o caso em casa mesmo. Outros doavam em troca de favores. Brancas, escravas, indígenas, enfim, essa gente sem vontade, passou um cortado.  
É esta grande mídia hipócrita, que vive vendendo a mulher como produto em suas propagandas, que faz do caso desta moça uma questão de Estado. A cada dez propagandas, sejam elas de cerveja, creme dental ou carro, nove tem uma “gostosa” praticamente nua. As mulheres não precisam mais dos homens para ter prazer; têm o direito irrevogável de seu corpo e, agora, finalmente, podem, elas próprias, vender aquilo que sempre lhes foi roubado, doado, vendido. E a Igreja, colecionadora de estupros, deveria, também, desvirginar seus moralismos.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ninguém meu amor 
ninguém como nós conhece o sol 
Podem utilizá-lo nos espelhos 
apagar com ele 
os barcos de papel dos nossos lagos 
podem obrigá-lo a parar 
à entrada das casas mais baixas 
podem ainda fazer 
com que a noite gravite 
hoje do mesmo lado 
Mas ninguém meu amor 
ninguém como nós conhece o sol 
Até que o sol degole 
o horizonte em que um a um 
nos deitam 
vendando-nos os olhos.


Sebastião Alba