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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Como escrever, segundo Graciliano Ramos


“Quem escreve deve ter todo cuidado para a coisa não sair molhada. Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal. Naquela maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício.

Elas começam com uma primeira lava. Molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Depois colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão.

Depois batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.

Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer”.

Os anjos de Sodoma

Os anjos de Sodoma - Roberto Piva

Eu vi os anjos de Sodoma escalando 
um monte até o céu 
E suas asas destruídas pelo fogo 
abanavam o ar da tarde 
Eu vi os anjos de Sodoma semeando 
prodígios para a criação não 
perder seu ritmo de harpas 
Eu vi os anjos de Sodoma lambendo 
as feridas dos que morreram sem 
alarde, dos suplicantes, dos suicidas 
e dos jovens mortos 
Eu vi os anjos de Sodoma crescendo 
com o fogo e de suas bocas saltavam 
medusas cegas 
Eu vi os anjos de Sodoma desgrenhados e 
violentos aniquilando os mercadores, 
roubando o sono das virgens, 
criando palavras turbulentas 
Eu vi os anjos de Sodoma inventando 
a loucura e o arrependimento de Deus

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

UMA OU DUAS CASINHAS À BEIRA MAR

In memoriam de Tony Cunha, que leu este poema em voz alta


Ao amigo damos solares jasmins, poço com águas clarividentes, ao amigo damos haste de verão, mãos como novelos, damos templo onde o silêncio é branco, ao amigo damos avenca e redenção, aroma de pequis, uma ou duas casinhas à beira-mar, ao amigo um navio arado pela chuva, um pavio que vai dar na eternidade.

Ao inimigo damos grãos de chuva, gravura com filigranas de peixes, ao inimigo ouvimos durante horas, ao inimigo damos o barco e as sombras do barco, damos muro com cerejeiras atrás, ao inimigo damos mais atenção que ao amigo, ao inimigo o silêncio da noite, a luz de Brancusi, copo de água, raio tranqüilo, ao inimigo o cavalo visto por uma criança e a cama com lençol de linho.


FERNANDO JOSÉ KARL


ANIVERSÁRIO

Metade do tempo consumada

ou ainda mais.

No peito, a mesma fome, a mesma sede

do menino, do rapaz.

O mesmo olhar perplexo

o mesmo

sem resposta

gesto crispado interrogando.

(É dezembro

e noite e abro a janela

e vejo outras janelas iluminadas.

Ali há vida, como na rua, como

no campo e no mar e nos velozes

aparelhos que cortam o espaço

e

talvez

noutros planetas e universos.

Como há incontáveis séculos e

provavelmente

amanhã. Mas tudo rápido

demais

que nem nos podemos saber

e partimos

no mesmo escuro em que chegamos.)

Perdi colegas, namoradas, cães.

Perdi árvores, pássaros, perdi um rio

e eu mesmo nele me banhando.

Isto o que ganhei: essas perdas. Isto

o que ficou: esse tesouro

de ausências.

(A noite avança e as janelas

aos poucos

se apagam. No silêncio

meu coração permanece

iluminado. Eis que trabalha, fiel,

mesmo quando revela

a si mesmo em breve imóvel

ou, depois, a última estrela

sem testemunhas

no céu final.)


Ruy Espinheira Filho

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Gertrude e o macaco Lindolfo

gertrude cumpria há mais de trinta e sete anos o ritual de tomar café colonial todas as quintas no café glória em blumenau. há cinco anos apareceu com um macaco rhesus de nome lindolfo para compartilhar com ela as delícias do buffet livre. com o tempo todos se acostumaram com a figura de lindolfo vestindo uma bata indiana e chupando a xícara com seu grande beiço de monkey. olhava todos com certo constrangimento, mas afinal não era ele que pagava a conta e adorava a torta alemã servida no café. rodolfo era o único que em trinta e sete anos lhe deu trela nas quintas do café. por levar o amigo para prosear no café gloria, gertrude foi ironizada pelos blumenauenses como a louca do macaco lindolfo. pelo menos gertrude não tinha um cemitério de gatos.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

TARDE EM TIMBÓ

numa padaria em timbó
um homem vendia macacos em gaiolas

era um costume da cidade
alimentar os símios com cucas
e poemas de schiller e rilke

achei tudo muito estranho
na cidade de timbó

CAVERNAS

Foto do livro Carpintaria das Ribeiras - Antonio Carlos Floriano




segunda-feira, 12 de setembro de 2011

10 anos sem Marcos Konder Reis

No dia 11 de setembro de 2001 morria Marcos Konder Reis. Em sua homenagem postarei alguns poemas de sua autoria.

LUZ DA INFÂNCIA

As ameixas maduras
Guardam, no mês de julho,
A claridade amarela.

Debaixo das árvores,
A luz ameixa do inverno
Estende , na grama, uma vela.

Para o menino taciturno,
O corpo escuro da ameixeira
Cabe no abraço uma cela.


MARCOS KONDER REIS

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

RISOCERTO

teu açúcar delicado
branco dente
sempre aberto

é risocerto

feito de vento
solstício de sal
auroraboreal


Antonio Carlos Floriano