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domingo, 31 de outubro de 2010

A Corda em Si - Valsinha (videoclip) Contrabass and Voice

a crônica Ave a cantora ave veio daqui:

Crônica de Rubens da Cunha

AVE A CANTORA AVE

Eu vi os olhos de uma cantora que nada via e por isso tudo cantava. Ela voou pelos palcos de minha cidade. Ave mesmo, como convém às cantoras. A seu lado, estava um homem abraçado a um contrabaixo acústico. Aquele instrumento era um corpo de madeira musical desenhando trilhas, notas, caminhos para os passos da cantora, que valsava, chovia sobre a roseira, e nos cantava sobre uma tal de Beatriz, sobre outra mulher de nome Lilly Brown, sobre uma rua ladrilhada com brilhantes e um leão menino dourando-se ao sol, além dos olhos tristes da fita chorando no gravador. A cantora que nada via dentro da visão-nada dos comuns distribuía aos ouvintes o mundo íntimo de Oxum, o mundo fraterno de São Francisco, a malandragem de um tal Kid Cavaquinho. Eram todas da amizade da cantora e do homem com contrabaixo, que gentilmente dividiram comigo. Noutro momento, o rosto agudo, a dor aguada de um encontro tardio e salvador saiu da voz da cantora, desdobrou-se numa bailarina, que com gestos curtos, curvos, contorcionistas, se esvaía em luz sobre o palco. Não posso esquecer que o homem e seu contrabaixo musicavam a pele da cantora e da bailarina. Eram quase um sonho. Perdoem-me se não me faço entender, se o fato de eu ter visto os olhos da cantora que nada via e por isso tudo cantava me perturbou a clareza, mas é que a clareza foi tanta e a ausência de sombra corresponde sempre a uma noite de negrumes inauditos. Pior é esta noite em minhas palavras que de nada servem, que se atrapalham na tentativa de recontar, de reconduzir a vocês o que vi. Sigo por teimosia, porque me adono da insistência de inserir seus olhares alheios nos olhos da cantora. Houve também um momento em que outros homens e mulheres surgiram. Eram da raça do homem e seu contrabaixo. Portavam instrumentos, flauta, clarinete, violão, pandeiro. Eles ajudavam o homem a construir uma trilha de som para a cantora. Talvez por isso ela estivesse descalça, para caminhar sobre as notas despejadas pelos músicos e sentir os fás, dós e sóis adentrarem-lhe a pele. Penso que seja esta a linguagem das cantoras: o corpo todo imiscuído nas notas musicais. Pelo menos das cantoras que não sabem caminhar nas estradas mais seguras. Falo daquelas cantoras em que tudo é aparência, montanhas de dinheiro, gritos, manipulação, daquelas cantoras festivas e ocas. Essa não, essa cantora era um estatuto de carne e música. Ela era um estado de doçura, tal como aquele que diz que é doce morrer no mar. E assim foi. O tempo em que vi a cantora pode ser dividido em dois: o tempo de fora, talvez uma hora e alguns minutos. O tempo de dentro de mim: talvez algumas eternidades, em que eu também nada via porque tudo escutava. Queria que todos estivessem lá, que todos soubessem o que reverberou em mim naquele tempo em que sonhei, vaguei, atravessei instrumentos, sons, vozes, em que residi na visão da cantora que nada via e por isso tudo cantava.


Rubens da Cunha

in: Jornal A Notícia 27/10

sábado, 30 de outubro de 2010

MARIO QUINTANA 3

A VOZ

Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras.

Mario Quintana in Caderno H

MARIO QUINTANA 2

ARS LONGA

Um poema só termina por acidente de publicação ou de morte do autor.


Mario Quintana in Caderno H

MARIO QUINTANA 2

ARS LONGA

Um poema só termina por acidente de publicação ou de morte do autor.


Mario Quintana in Caderno H

MARIO QUINTANA 1

A COISA
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.
Mario Quintana in Caderno H

sexta-feira, 29 de outubro de 2010



A moça de cabeleira laranja
vence o monstro marinho,
molhada de orvalho e luar.


Ver a exposição Nautikkon 2010

de Fernando José Karl.

http://www.germinaliteratura.com.br/2010/artes_fernando_jose_karl_1_jun10.htm



quinta-feira, 28 de outubro de 2010

TEOREMA

Pasolini é um caso singular. Acompanhe a primeira Emília que será, também, a primeira presa do ANJO CAÍDO na casa de uma família burguesa de Milão. O anjo do amor e do caos despertará o Eros e o Tânatos na comportada família. Vale muito ler romance TEOREMA. Tem uma linguagem aparentemente simples, contudo é extramamente subversivo. Pasolini traz a linguagem dos misiráveis, do meninos de rua, dos desvalidos e dos operários à literatura. Uma boa dica para o feridão: ler e ver TEOREMA.

ALEXIS MÉRODACK-JEANNEAU 2


ALEXIS MÉRODACK-JEANNEAU 1


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

POEMAS DE ANTONIO CARLOS FLORIANO

Em Portugal a atriz Denise da Luz faz um recital dos poemas do livro Cadernos do Japão, do SINGULAR Antonio Carlos Floriano, com a trilha musical de Alessandro Kramer (o Bebe).

mais uma de Dylan Thomas

A voz do grande Dylan Thomas

MAIS UM VÍDEO POEMA

De Renata Barros. Poema de Paula Valéria.

Desde Buenos Aires umpoema deTamara Kamenszain

alguns dos encontros fortuitos. ontem dia de meu cumpleaños passeava nas ruas de Sam Telmo quando chamou-me a atención uns livros em uma banca.entre eles estava o último livro desta poeta e crítica argentina, EL ECODE MI MADRE, Ed.Bajo la Luna, 2010.ao pedir parao livreiro,elemostrou-me ojornal página12com umapágina inteira com uma entrevista dada pela escritora.aqui
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/libros/index.html

O livro inicia com a epígrafe deCesar Vallejo

Hay golpes en la vida tan fuertes...yo no sé!

para empeza el dia enquepatrícia y yo vamoshastaColoniadelSacramiento en uruguay, dejo este poema

El padre de Lucy copiaba un libro ajeno
mientras decía que lo estaba escribiendo.
En ese gesto senil la desmemoria del escritor
fuerza un homenaje doméstico
a lo que letra por letratuvopara su vida
la transcendencia de un asunto impreso.
Mi madre también secopia de la queera
mientras yo plagiando al plagiarlo
trato de pasar en limpio ese diario de vida
que la autora demís días escribe com puede.

domingo, 24 de outubro de 2010

O QUE É POESIA?

Amigos, aí estão três poemas em vídeo que estão concorrendo ao Prêmio Poesia ao Vídeo da Festival Internacional de Poesia de Pernanbuco que acontece de 12 a 15 de novembro. Deixo estes três vídeos, também, por uma enorme eleição afetiva já que todos os concorrentes são amigos veros. Aproveito para convidar a todos para a mesa-redonda no dia 12 de novembro em Jaraguá do Sul. A famigerada mesa terá três DOS SINGULAR (Cristiano Moreira, Dennis Radünz e Marco Vasques) tentando buscar um voz para a nômade questão: afinal O QUE É POESIA?. Mais fácil responder O QUE NÃO É POESIA!!

Marina Casagrande (ed. responsável). SP, "MANHÃS", Karen Debertólis

Paulo de Toledo (ed. resp.), SP, "DA JANELA DO NONO ANDAR".

Roberto Pimentel Pontes (ed. resp.), RJ, "FLUXO", Línox / Shala Andirá /...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

máximas saudades


Eu e Bueno discutiamos apenas o sabor da noite.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Hans Bellmar




Da série de esculturas La Poupée, de Hans Bellmar

UMA CRÔNICA DE RUBENS DA CUNHA

OS CINCO SENTIDOS

A vida é um poço de sensações, um arcabouço de sentires. Somos um corpo captador do sentir. Nada a ver com o sentimento. Coisas como amor, saudade, alegria, felicidade, são internos, conceitos, abstrações, quase uma consequência do que vivemos, fazemos, escolhemos, apesar de muita gente considerá-los o fim, o ponto para onde devemos encaminhar a vida e um dia lá chegar. Tais pessoas desconhecem que estes sentimentos geralmente são o caminho, o processo, o durante.Porém, falo aqui de algo mais físico: o corpo e seus cinco sentidos, suas portas abertas para captar o mundo. A vida cotidiana atenua, acostuma, dá uma certa opacidade aos sentidos. Os mesmos barulhos matutinos, a mesma rua percorrida cegamente, o mesmo locutor toda o meio-dia nos impingindo verdades definitivas, o mesmo café com duas colheres de açúcar, o pão de ontem, o banho de cinco minutos, o mesmo motorista de ônibus, o mesmo pedestre atravessando a faixa, a mesma cadeira no trabalho, os gestos automáticos, as respostas automatizadas que damos, os filhos e seus boletins falhos, a novela, o sexo de luz apagada, o sono sem sonhos. A rotina tem o poder de embotar os sentidos, talvez por isso manifestamos alguma raiva dos pequenos desvios: acidentes, tropeços, desencontros, surpresas. Somos invadidos, de repente, pelo choque de termos os sentidos de novo ligados, atuantes, plenos no seu fazer, e não como trabalhadores adaptados demais, desmotivados demais.Assim, os sentidos são despertos quando saímos da rota, quando deslocamos nosso corpo a um espaço desconhecido, um espaço que nos exige a atenção, a percepção novamente viva. Pode ser no dia a dia, mas isso exige uma dose de vontade, um esforço extra para deixar que o acaso, a beleza, o inesperado nos lustre os sentidos, ou quando acontece de viajarmos. Aí não temos escolha, quer dizer, temos a escolha de atenuarmos as surpresas, de seguirmos as rotas oficiais, de ouvirmos apenas o guia, de comermos apenas nas franquias conhecidas e globalizadas. Geralmente quem faz isso retorna muito parecido a como saiu. Nada acrescentou aos sentidos, não fez com que eles brincassem num lugar diferente.Ou temos a escolha de nos permitirmos alguns dias de pedestre perdido, de sujeito andarilho nas esquinas que se desconhece. Podemos deixar o olfato bem aberto aos cheiros do lugar, sejam perfumes ou catingas. Também podemos ouvir o rugir da cidade de dentro dela, passear com olhos abertos às pequenas filigranas da vida: um cão na janela, uma escultura quebrada, a mulher sentada no banco da igreja, tartarugas ao sol. Podemos ver também as outras pessoas que não estão viajando, como elas se comportam, como elas são nosso reflexo quando estamos cheios de rotina e temos os sentidos bem adestrados.Não que eu defenda que a vida deva ser uma viagem constante, uma ausência de lugar fixo, nem acredito muito na morte da rotina como fórmula da plenitude dos sentidos, mas defendo que cada pessoa deva ter mais cuidado, mais delicadeza com esses canais físicos que nos fazem absorver a vida. A poesia da vida.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

na ausência da palavra, o corpo.




"escrever é o pensamento endereçado, enviado ao corpo - àquilo que o aparta, àquilo que o estranha" - Jean-Luc Nancy

Ilustração: Charlie Bell

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

carne

a palavra apocalipse retirada da saliva. ofício de pedra o doar palavras nos semáforos. do figo nem cheiro cor ou sabor. a epiderme assim só com o domínio da língua outra. ela carrega um rio na palma da mão. lava todas as palavras antes do encontro. farois explodem sob a saia. da lua e do sol não conhece distâncias. doze demônios bordam seu vestido antes do dilúvio de fogo chegar à carne. a palavra apocalipse e a saliva retiradas da necrose dos lábios.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Paul Klee (1879-1940)

No verão amadurecem

os chapéus

Fernando José Karl
BEIRA

Ballot acende mares à ponta dos pés

vai enfiar canoas no sonho que afundou




SAFÁRI

Levava espelho quadrado
chamava gaiola

capturar paisagem e moça




VENTO

Se as saias erguidas
balançam aos pés do mar

o vento
respira
dentro delas



A BELA DA TARDE

Fui atravessar a tarde

os policiais me bateram riram
cuspiram
condenaram meus olhos a duzentos anos
só porque fui ver

a bela
da
tarde




JOGO DE FIAR

Só morria se o cavalo passasse
ao longo da janela

passava nunca

um dia
o amazonenese desenhou o trem
na parede da casa
foi
ladrilho no olho
para Cusco




CONDE

Conde de Pancarté tem elétrica pantera
flameando entre pernas suadinhas

as que morrerão, as pernas





OSTRA

Nunca sei fazer milagres
soubesse
dava festa
acendia vespas de absoluto vôo
assim como passam os dias
te passava na boca
caju pérola deliciazinha ê
drumia si si sacratim xanxá
embolado em tuas águas




BALIZA

Dois coqueiros
o fio d' luz cruza seus topos

a lua é gol




NO VERÃO AMADURECEM OS CHAPÉUS

Voava cidade foi cair nos cabelos
da castelã calçava luar

dentro do chapéu não havia fundo
podia-se tocar o fim do mundo

Lindalva viu
olhos berloques
que o fim do mundo
é como fim de beijo

semana vem que virá outro





OLHEIRAS

Se vou lento é que engoli tartarugas
passei lenço roxo aos olhos
meu automóvel ficou parado
espera tuas louças




AZULEJO

Ladrilho suja pés de Maria Catorze
que leva resedá a uns deuses no espelho

seus olhos




CRUSOÉ

Órion é milenária

cada um está no seu pó




GUEPARDO

Guepardo vivia (o que o tornava infinito)
vazio a dentro dum banheiro da rua Gonçalves

não consultava relógio
ou respirava estrelas

na terceira poltrona Luzia escutava foxtrote
as veias um pouco na luz
meias nuas em cadeiras vimes

sonhava dentes de guepardo


HISTORIETA

Roubaram muletas do perneta
rezou a Nossa Senhora da Luz
não devolveram

sentado na calçada sorriu

mulheres vieram beijar
o seu único pé




POÇAS

O corcunda de Notre Dame
enquanto o mundo se consumia

pintava em poças magras
a instantânea lua

só porque amava os três tons do azul




PRENOM CARMEM

Passa trem na tela
gaivotas
Beethoven hipnotiza águas
o cego ao entrar faz barulho tropeça
à sombra de um lírio

moça diz que foi nada

o cinema é bom lugar
pra se dizer adeus





VESTIDO

Vestido clareia lua cheia de bolinhas

uma delas é o mundo
assanha os gatos




QUINTAL

Beijar orelha no alto do abacateiro

a coxa dela dói nas minhas linhas




QUEDA

Caiu do alto jacarandá
antes de beijar o chão deu abraços
fez lição de casa andou fumou foi
ao cinema teve um
cachorro
amara Leila Maristela Rita
escreveu esse poema e não morreu

o páraquedas abriu




BIOMBO

Mão de Nadja Maran viraram peixes na hora do rush,
as mãos. E os que
olhassem no fundo nos olhos deles ficavam
nus
nudez tão funda
que nem
o
biombo
os esconderia




A FLOR DE CAQUI DA NUDEZ

Passo dedos em brincos passo
a mão
na flor de caqui da nudez
vês?
abandono um vaso quebrado a teus pés




QUANDO VOLTARAM

Ônibus amarelo furou pneu
ficamos ali sentados
eu e meu amor

ouvindo as conchas que catamos




ROMAN À CLÉ

O faquir acendia postes postes
em cada pendurava o retrato da mulher de sua vida
que lá vem onceira macieza a danada vem
bêbeda
finca ao lado das fotos
a foto do faquir

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

manhã

ele atravessa o jardim de minha manhã. vidro a vidro refaz a própria imagem. carvão. papelão. o rabo do cachorro uma esperança de sorriso. pés pedras todo ruga. pássaro nem pensar. de ferro a garganta sem timbre. sucata não só a vida. sucata toda a prole. teu jardim desventura meu jardim.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

salvação

o azul de Mefisto na carne e nada de missas e salvação. o inválido engole metáforas. vidas espumam nas paredes aquosas de pedras marítimas. dor dúbia das tormentas. a fratura nas mãos do menino que toma sorvete ao lado esquerdo da rua. equívoco do dia e da noite que se pretendem atenuantes do amanhã: sempre hoje. ele não morre lateja. esqueleto de carne. levaram às pedras. lençol sexo adentro. branco. escureceu. na enfermaria a vida nua. ninguém viu. uma voz ao longe chamas. fotografia antiga. funeral de pássaros. funeral de pássaros. mesa e enfermaria. eternidade esticada em fios elétricos. funeral de pássaros. funeral de pássaros. mesa e enfermaria. mesa branca cortada em fatias? o lençol vermelho-vivo cobre a corpo em salvação.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

retrato

encontro o corpo de Melissa ao pé de uma árvore. os olhos mortos. rosto incêndio. o corpo saga do inferno todo sob a terra. só os cabelos e o rosto pendiam para luz. inferno é o anjo que dorme em tua boca menina. raízes e pássaros tua pele. partitura de cicatrizes essa voz nenhuma. carrego o mar nas costas para beber o sal contigo. sou um pássaro-banzo. mastigo a terra que teu pai plantou em tua boca. partitura de cicatrizes essa voz nenhuma.

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

corpo

o corpo nada sabia. a nudez ainda um mistério. a casa túmulo vivo. desejo de doação. fios de cabelo para fabricar flautas. do crânio um instrumento de percussão. dos ossos um faqueiro. garfos. facas. colheres. da pele páginas para poemas. o sangue para fabricar alguns quadros. Bosch. Magritte. Dali. Picasso. na tela a dor circular. Pollock e a gravidade do vermelho. Vermelho em Bach. Vermelho soturno e surdo nos dedos de Beethoven. das tripas um saxofone. o corpo nem música será. nunca foi. conheci a sepultura na carne. esganadura. o corpo nem música será. nem foi.

Um grafismo de Fernando José Karl



Escutar o duo

Renato Russo e Adriana Calcanhoto

http://www.youtube.com/watch?v=WfOu66jJG7I&feature=related



UM TEXTO DE MARCO VASQUES

vingança

choro sobre o prato. de prata é minha lágrima. debato-me peixe cego profundo azul. o teu olhar oferece um pássaro embalsamado para estudos de dor. a vingança. tenho o cheiro de flores imundas que me perseguem anos e anos. outro presente de tua vingança. rugidos de leões, tigres e demônios na imaginação. castigo meu esse ser velas de setecentos dias para iluminar dia-a-dia mortos e jardins.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

recusa

enfermo são os olhos devorados no altar da catedral pagã. catedral impossível de toque. o corpo tocado não é rosário. um carnaval de cinzas após a carnação não consentida. cinco mil dedos no corpo menino. sala escura. a batina dos desejos. a escritura de anjos na pele. os joelhos em carne. cinco mil corpos sem vozes no corpo menino. teria deus enlouquecido?. nenhuma lágrima na lágrima minha irmã. mamãe ainda reza e masturba padres. sou cavalo selvagem solto na escuridão. nada sei do idioma dos homens. cultivo o idioma da pedra. o idioma da pedra no sexo. silêncio silêncio tsunami é minha alma. um coro de afogados me lêem. a sacristia foi a extra-unção do desejo. e mamãe ainda reza e masturba padres. só para mim o evangelho começou pelo lado direito.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

UM TEXTO DE MARCO VASQUES

encontro

amargo é doce que não comemos naquela noite. de teus olhos medusas de gelo em fogo na face de minha mão esquerda. na mão direita um lago por onde cabeças de cimento e aço escrevem acrobacias com palavras de areia. tua pele continua na minha depois da chuva, do horror de uma tempestade de silêncio cravada naquela placa de mármore e da colheita dos teus cabelos espalhados no corredor daquele portal. a morte não é mais a morte. um silêncio de tua boca. boca que devora a desova do veneno. boca que galvaniza meus dentes e neles desenha umas torturas eternas. unhas, dentes, mãos e bocas no trapézio tristeza hoje. um silêncio de tua boca cegou meu olho no final da tarde. um silêncio da tua boca. uma recusa amarga aquele beijo morto. durmo durmo com o sorriso soterrado. a voz em chamas a espera de um poema. Tenho trinta e seis mãos no guarda-roupas. Um incêndio nos lençois. silêncio silêncio silêncio é o carnaval de minha insônia que baila. um silêncio da tua boca que aqui habita.

LIBRO DE LAS PREGUNTAS - PABLO NERUDA

Qué dirán de mi poesía
los que no tocaron mi sangue?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Édouard Boubat (1923-1999)



ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS:
SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA,
SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE NOS OUVE.

(1 João 5, 14)

Pés de ouro equilibram-se em peixes. Inciput erat verbum: no princípio era a palavra. A palavra é clarabóia sobre o pensamento escuro. Jesus cita as antigas escrituras para sugerir que somos deuses. Na fonte fria lavar cabelos, lavar cabelos na fonte fria. Pés de pluma equilibram-se em águas. Tenho confiança em Deus e a Ele peço quatro coisas, segundo a Sua vontade:

a força da criança
a força da poesia
a força da música
a força do mar

sábado, 9 de outubro de 2010

Clic de Pedro Revilion


Conhecer o blog de Francine Canto

http://poemasdefrancinecanto.blogspot.com/



Quem entende de poesia...

Quem entende de poesia vai diretamente àquele coração poético e percebe suas pulsações; e onde as pulsações se calam nega que haja poesia, não importando quais e quantas sejam as outras coisas que ocupam seu lugar, acumuladas na obra, por mais que sejam apreciáveis por virtuosidade e sabedoria, por nobreza de entendimentos, por agilidade de engenho, por aprazibilidade dos efeitos. Quem não entende de poesia perde-se perseguindo estas coisas, e seu erro não é admirá-las, mas admirá-las chamando-as de poesia.

Benedetto Croce. In: Breviário de Estética. Ed. Atica, 2001. p. 157

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Luis Gonzáles Palma



Contam os místicos que traz sorte
encontrar um trevo de quatro folhas.
Você acaba de encontrar:
o que fará agora que está com sorte?

Ruth Bernahrd, 1952



Meus olhos vão ver o paraíso,

sim, mas serão

olhos apodrecidos

1. Vi um funeral tão pobre, que não havia nem mesmo o morto no caixão. Quem vinha atrás chorava. Eu também chorava, sem saber porquê, no meio da névoa. Eu acordo de uma grande noite de sono e de sonho. Sabiam os gregos que o sonho é uma astúcia da vigília. Quando se estilhaça o espelho do significante e se penetra surdamente no evento da palavra.

2. Foucault pronuncia a frase: “A marca do escritor não é mais que a singularidade de sua ausência”.

3. Imre Kertész destila sua ramagem sábia: “Em meio ao grande ruído que nos rodeia, é fundamental criar um pequeno silêncio dentro de si para poder começar a pensar com serenidade, já que tudo começa no pensamento”.

4. Sonhei tanto, sonhei tanto, que não sou mais daqui. Escuto, no sonho, e todo sonho é uma astúcia da vigília, escuto algo pronunciar que eu devo ir às linhas de um poema intitulado Le bains de Caracalla.

5. O vazio da escuta – akuón – algo dispara a flecha, algo acerta o alvo. O cérebro não sabe a diferença entre o que está acontecendo lá fora e o que está acontecendo aqui dentro. Sabe-se que a máscara do espelho de ouro (ou o inconsciente) não é rígida, mas reflete o rosto que voltamos para ele. A hostilidade confere-lhe um aspecto ameaçador, a benevolência suaviza seus traços.

Fernando José Karl