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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

segunda-feira, 27 de agosto de 2012


OBRIGAÇÃO E MÉRITO
POR MARCO VASQUES
Publicado no jornal Notícias do Dia [27/08/2012]
Não tem jeito. Em toda eleição acontece a mesma coisa. São as mesmas promessas, os mesmos discursos, as mesmas brigas e toda sorte de discussão em torno do que pode ser feito para que a cidade melhore. Mudam as alianças, as lideranças, os partidos, os candidatos. No entanto, o cenário é o mesmo, ou seja, todos disputando a tapas e bofetadas o comando de um barco, quase sempre, marcado pela ausência do poder público. 
É neste período, que num passe de mágica, as cidades são invadidas por obras. Independente do partido, parece que todos absorveram a máxima de que temos a memória fraca. Então, para que fazer obras no primeiro ano de gestão? Deixa-se tudo para o mais próximo das eleições, para que todos tenham o frescor da poeira na lembrança. Até aí nenhuma novidade. Num país em que se acaba de institucionalizar o caixa dois, todo o resto é piada.
Com as propagandas e a intensificação das campanhas, para além das frases bregas e preconceituosas estampadas em sorrisos oxigenados, o que salta aos olhos é o desconhecimento total, de alguns candidatos, do real motivo da existência de um alcaide. Fica evidente a constante inversão de valores sobre o que é mérito e o que é obrigação. Porque nós estamos tão acostumados com a ineficiência, inoperância e toda sorte de “in”, que acabamos, involuntariamente, entrando na onda e acabamos aplaudindo o gato por seu miado.
Ora, melhorar a vida dos cidadãos, as escolas públicas, o sistema de saúde, o transporte, a educação, o acesso à cultura, as ruas, os bairros, enfim, tornar a cidade um espaço mais habitável, menos violento e diminuir as desigualdades sociais são obrigações primeiras de qualquer prefeito. No entanto, não são poucos os que se vangloriam de ter construído escolas, creches e hospitais. Outros ainda estufam o peito e empolam a voz para dizer que farão o saneamento básico, iluminarão a cidade, construirão praças, escolas e aumentarão os números de leitos em hospitais e o salário dos professores.
O que não nos falta é candidato prometendo fazer tudo aquilo que é sua obrigação, isto é,  a premissa de sua existência, pelo constante hábito de nada se fazer, passa de obrigação à mérito. Se observarmos todos os discursos, com raras exceções, veremos que eles incorporaram suas obrigações como fator de mérito. Essa inversão de valores absurda acontece de dois em dois anos no Brasil. O disco furou na pior das faixas. Estima-se que o gasto das campanhas, em todos os quase seis mil municípios brasileiros seria suficiente para o cumprimento de cinquenta anos de promessa-obrigação.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O BAR DO + ARROZ


POR MARCO VASQUES

Publicado no jornal Notícias do Dia [20/08/2012]

            Em alguns casos se chega à verdade com muita facilidade. Quando se trata de bar, a coisa fica mais simples ainda. Inventamos inúmeros motivos às companheiras: a sinuca, o dominó, assistir ao jogo de futebol, o baralho, a dobradinha, o mocotó, a almôndega, rever os amigos. Enfim, arrumamos uma série de desculpas, quando na verdade, a tal da verdade é apenas uma: vamos ao bar pelos atrativos etílicos. É a cerveja, o campari, a caipirinha, o vinho, a vodca, o uísque, a cachaça, o underberg, o maracujá e toda essa farmacêutica secular que nos conduzem aos bares. 
            O bar do + Arroz tem tudo isso. Nas quartas, de quinze em quinze dias, é oferecida uma dobradinha excelente por apenas R$10. Um jantar por apenas 10 pilas? Só no Córrego Grande mesmo. Nas sextas-feiras, também quinzenalmente, servem um mocotó pra lá de especial, pelo mesmo preço. A almôndega é uma das melhores da cidade. Tem sinuca e dominó, com muita, mas muita gozação aos perdedores. Quanto à farmácia, nem precisamos falar, já que o grosso, o motor, o carro chefe de qualquer bar, muito obviamente, é o líquido estonteante.
            No entanto, o bar do + Arroz é um lugar especial para se frequentar porque é visitado por figuras como o Valtinho, cliente desde quando lá era o bar do Júnior. O Valtinho está sempre com o copo de campari ou uísque na mão, com um sorriso imenso no rosto e com um humor de meter inveja. Tem a turma composta pelo Dico, Renato, Elemar, Ninho, Júlio e Serjão. São silenciosos, bebem conversando com o líquido, meio que confessando algum segredo. Tem a turma do barulho formada pelo Sidclei, Vidal, Mosca, o Marcelo e o Moisés. Os visitantes esporádicos: o Tomé, o Sérgio. Existe no bar do + Arroz até uma categoria incomum: o homem-festa. Sim, o Martendal, sozinho, já é uma festa. Não podemos esquecer do Ézio, que jogou até com o Garrincha.
             O bar do + Arroz ainda conserva aquela atmosfera familiar, intimista e amigável, características que começam a ser ameaçadas pela quantidade excessiva de prédios e pela especulação imobiliária. Não duvide, caro leitor, se em poucos anos, no lugar do bar do + Arroz e do Minimercado Ana Paula, seja erigido um prédio de luxo.
Enquanto isso não acontece, para alegria da galera, o + Arroz vai conduzindo esse barco ébrio inundado por mundos imaginados. Se o leitor acha difícil conhecer a verdade, é só dar uma passadinha lá. Lugar onde podem ser encontradas milhares de verdades e certezas, tantas que acabamos embebidos numa imensidão de dúvidas. É preciso acreditar nas verdades e nas certezas bêbadas, pois as sóbrias são sombrias. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Prezados amigos:
hoje faz exatamente vinte anos que fui morar no Japão.

Então:
PRIMEIRO RELATO SOBRE A NEVE ( 1992)

a neve caiu sobre meus olhos estrangeiros
sobre os telhados azuis
montanhas azuis de takasaki

encobriu os pequenos jardins de brinquedo
parecidos paraísos pessoais

onde se contempla
o movimento solitário das formas
como se a solidão não me causasse sofrimento
e sim viesse fazer companhia ao coração

a neve caiu sobre a presença desse sentimento



Foto de Issei Suda

segunda-feira, 13 de agosto de 2012


OS OLHOS DE GENET

POR MARCO VASQUES

Publicado no jornal Notícias do Dia [13/08/2012]

Ao entrar em casa percebeu que a tolha da mesa foi substituída. Normal. Talvez Marina tenha passado para pegar um livro ou colocar umas compras na geladeira. Ela odeia as tolhas coloridas que ele costuma receber de sua mãe todo ano. Também não gosta de nada colorido, mas, muito provavelmente, dona Judite faz isso para irritar, já que não está nem aí para o seu filho. Sim. Existem mães que não amam seus filhos. É humano. Não há nada de errado nisso. Mas daí a sacrificá-lo a vida toda, fazendo de tudo para contrariar seus desejos, parece um tanto exagerado.
Aproximou-se da mesa e viu que não se tratava de uma tolha, mas da foto de Jean Genet. Uma foto de juventude que carrega toda a tristeza do orfanato onde passou a infância. Sim, Genet foi abandonado por sua mãe e nunca conheceu seu pai. Mas nada de fazer julgamentos binários. Ela também viveu um inferno santificado. Genet sempre buscou a santidade na imundície humana. Mergulhou tão profundamente na vida, que cada ato era soco em si mesmo. Ladrão profissional, sim. Para ser um bom ladrão é necessário conhecer a sua arte. Prostituto de mão cheia. Ele mesmo se orgulhava de ganhar alguns trocados fazendo aquilo que o trouxe ao mundo, a prostituição. Um desejo santo de pisotear a própria vida.
Jean Genet inaugurou uma literatura que foi tipificada por Derrida e Foucault, amigos pessoais dele, de “literatura do ódio”. Escreveu o primeiro livro, Notre-Dame Des Fleurs, na prisão. Entre seus admiradores estavam Jean Cocteau, Sartre e André Gide, que assinaram uma petição para que ele não fosse condenado à prisão perpétua. A peça teatral Le Balcon é ambientada num prostíbulo frequentado por pessoas, digamos, bem sucedidas, ou seja, um bispo, um juiz, um general e um chefe de polícia. Acidez e ódio. Desespero e paixão. Santidade.
Genet experimentou a miséria, a humilhação e o sofrimento. Tentou se matar quando soube do suicídio do único homem que amou. Devolveu ao mundo tudo que recebeu. Sua redenção está justamente em agredir o mundo para evitar a defesa. Sua arma era o ataque. Genet não é esse tipo de rebelde que temos hoje, que calcula sua rebeldia. Suas ações vinham de suas necessidades; não poderia deixar de fazer o que fez.
Lembrou que Fassbinder filmou Genet.  Teria que convidar Marina para rever a película. Não consegue se movimentar. A mesa ali, com a tolha do tamanho da Santa Ceia.  Um demônio santo afogado na mais pútrida castidade, mostrando o quanto a sua vida é ignóbil, abjeta, maquiada, mesquinha, torpe, enfim, uma vida adjetiva. Tentou comer os olhos de Genet

Josef Sudek, 1980


CARTA A UMA AMIGA
A palavra é uma jóia delicada e rica: é a palavra, com seu vigor velado, que tece, de maneira imperceptível e até indizível, tudo o que vemos fora de nós: é a palavra que nos dá a possibilidade de reconstruir o mundo vasto mundo em nós: mas quando é que a palavra se impregna em nossa alma?: é quando renunciamos ao antigo modo como a usávamos: essa renúncia, no princípio, nos entristece, mas logo nos alegramos porque a renúncia nos consentiu o mistério da palavra: porque a renúncia consentiu o mistério da palavra, o escritor guarda a jóia da palavra na graça do pensamento: o que, no fundo, é o mais precioso enquanto estamos vivos?: deixar-nos envolver pela palavra, permitir que ela se expresse, sem amarras.
Renunciar ao antigo modo de usar a palavra é apenas consentir que a canoa singre: a palavra não desistiu de ti: eu te digo que a tua aventura com a palavra está apenas começando: a palavra, em sua origem mais primeva, guarda na raiz um fogo e deseja entrar em núpcias com o teu desejo.
As palavras não querem ser veneradas como deusas, mas elas querem desvelar o abismo de nossas confissões mais secretas: as palavras se confundem a nosso sopro e agora leia este poema abaixo, todos os dias, como se ele fosse uma oração: o poema é de António Ramos Rosa: um grande bardo português
Um beijo, com amor,
do Fernando José Karl.
A PALAVRA

A palavra é uma estátua submersa, um leopardo que estremece em escuros bosques, uma anêmona sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela que projecta a sua sombra sobre um torso. Ei-la sem destino no clamor da noite, cega e nua, mas vibrante de desejo como uma magnólia molhada. Rápida é a boca que apenas aflora os raios de uma outra luz. Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes e vejo uma água límpida numa concha marinha. É sempre um corpo amante e fugidio que canta num mar musical o sangue das vogais.

António Ramos Rosa

domingo, 12 de agosto de 2012

SEM TÍTULO

teu hortelã respira um perfume delicado
dança na brisa e ultrapassa os cabelos de larissa
meu melhor achado
o maior segredo impresso
na palma de minha mão

calo e suspeito da perfeição

Poema de Antonio Carlos Floriano
Sumiê de Kazuo Wakabayashi

Antonio Carlos

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

DISPERSÃO


Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida... (...)

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.
            Mário Sá Carneiro

segunda-feira, 6 de agosto de 2012


O BAR DO DUDA

POR MARCO VASQUES

Publicado no jornal Notícias do Dia [06/08/2012]


Depois que o Fifa fechou o seu estabelecimento etílico, não deu outra! A grande maioria de seus clientes migrou para o bar do Duda. Como diz Dona Lindomar, bêbado é igual a passarinho. Seca uma fonte, isto é, cerra-se um boteco, logo se espalha a notícia de que o povo, em bando, está matando a sede em outra freguesia.   O Córrego Grande é pródigo em bons botecos. Por isso, nem todos foram parar no bar do Duda. Uns foram para o Bar do + Arroz e outros para o bar do Minga. Os mais preguiçosos estacionaram os beiços no bar do Bentinho. Em qualquer um deles a diversão e a alegria estão garantidas.
Mas no bar do Duda existe uma turma muito especial. Tem Helinho, sangue bom, brigador e com um senso de justiça de meter inveja em qualquer sistema ético. O Edo, irmão do Helinho, que é uma figura lendária no bairro. Não conseguimos mais saber quantos filhos o homem fez. Casou e descasou umas dezesseis vezes. Ninguém mais sabe, com o Edo, o que é ficção e o que é real. O homem tem uns mil rosários de histórias. Coloca qualquer escritorzinho no chinelo. Faz uns cinco anos que ele ganhou trinta mil reais num sorteio e gastou tudo em dois meses de farra. Nessa época, chegou a mudar de nome e era conhecido nas bocas da cidade como professor.
O seu Luiz é outra raridade. Pescador inveterado, não se conforma com matança generalizada dos peixes. Quando chega de uma pescaria, começa a contar as façanhas de trinta, quarenta anos atrás. No último domingo contou uma que só de imaginar se fica cansado. Era tanto peixe, que chegou a dar maresia no cérebro. O Beto, mecânico da rapaziada, melhor dizendo, dos carros da galera, fica na ponta do balcão, quieto, observando a mentirada correr solta. Secão - o leitor pode imaginar o motivo do apelido - é o defensor do Sertão do Córrego Grande. Para ele, não há morro melhor para se viver.
            O Fifa, agora cliente no bar do Duda, recebe os amigos com o mesmo sorriso. O seu Valter é um caso para ser estudado. Haja ciência para explicar a força do homem. Ele tem setenta e quatro anos, bebe mais que cachoeira em dia de chuva e cultiva o hábito de comer pimenta e gengibre como petisco. Ninguém acredita como o homem pode beber tanto. O Elemar é comedido na bebida e nas mentiras. Bebe pouco, fala pouco e observa muito.
            Lá está o Rico, o desenhista do bairro. A Renata, filha do Duda, que nos atende com o sorriso doce. E claro, o Duda. Cabelo por pentear. Unhas enormes. Camisa aberta. Corrente no peito. Anel de cafetão nos dedos. Vive contando piadinhas politicamente incorretas entre os fregueses. O bar do Duda, definitivamente, não cabe numa crônica.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012


Poema de sete dribles - José Henrique Calazans

Quando ele nasceu, um anjo negro de pernas tortas, 
os deuses da bola disseram: 
Vai, Mané! ser o palhaço dos campos.
As arquibancadas espiam admiradas 
enquanto os zagueiros correm atrás da bola. 
Talvez eles até conseguissem alcançá-la, 
não fosse o gênio da camisa sete.
Os adversários passam cheios de pernas: 
um, dois, três “joões”. 
De onde vem tanta habilidade? pergunta meu coração. 
Porém meus olhos 
não perguntam nada.
O homem atrás da camisa alvinegra 
é simples, brincalhão, generoso e boêmio. 
Tem muitas mulheres 
e inúmeras glórias 
o homem atrás da camisa alvinegra.
Meu Deus, por que tiraste do povo essa alegria, 
se sabias que não haveria outro igual, 
se sabias que o povo a continuaria sofrer?
Mundo mundo vasto mundo, 
nem ao menos por um segundo 
alguém teve tanta ginga no ataque. 
Mundo mundo vasto mundo, 
mais vasto era o encanto do craque.
Eu não devia te dizer 
mas esses dribles 
mas esses gols 
botam a gente comovido como o diabo.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

tesouros da juventude
ou
para uma juventude sem coração
uma pintura de Caravaggio que eu gosto
Narciso na fonte