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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Lançamento




O SINGULAR Marco Vasques lança dois novos livros


Será no dia 17 de junho, às 19h, na FUNDAÇÃO BADESC, o lançamento dos dois novos livros de Marco Vasques. Flauta sem boca é o novo livro de poemas do autor. O poeta e crítico de poesia gaúcho Ronald Augusto assim se refere à obra: “Marco Vasques volta mais feérico neste Flauta sem boca, seu pathos imagético se instala desta vez — à diferença de Elegias Urbanas, livro de 2005 —, por assim dizer, numa nervura teimosa de versos, ou versículos, mais extensos. As questões que obsedam o espírito do poeta retornam à cena. Observamos um artista que afivela personae trágicas, e enquanto põe a nu seu coração defunto por meio de uma língua que não come hóstias se vê implicado nos horrores que mais registra e recria do que denuncia. Neste pequeno conjunto de longos poemas, Marco Vasques nos coloca diante dos destroços do tempo e da anomia presente que soçobram à tona da linguagem. E mais uma vez, aqui e ali, enfiamos pelas formas do manicômio, do hospital, do hospício, da necrópole, etc, imagens especulares dos nossos territórios urbanos.” Flauta sem boca conta com a apresentação do crítico e poeta Péricles Prade e com ilustrações do artista plástico Fernando Lindote. O livro tem o selo da editora Letras Contemporânea que mais uma vez apresenta um livro graficamente impecável.

O outro livro que será lançado é Diálogos com a literatura brasileira – volume III. Nesta obra Vasques entrevista 30 escritores dos estados do sul do Brasil onde busca explorar a trajetória literária de cada entrevistado. O autores que constam no volume são: Ademir Demarchi, Amilcar Neves, Claudio Cruz, Cleber Teixeira,Dennis Radünz, Donaldo Schüler, Fábio Brüggemann, Fernando Karl, Flávio José Cardozo, Ivan J. Panchiniak, Jayro Schmidt, José Eduardo Degrazia, Maurício Arruda Mendonça, Michel Laub, Ricardo Corona, Roberto Gomes, Beatriz Bajo, Cristiano Moreira, Fernando Koproski, Jaime Medeiros Jr. , Karen Debértolis, Rafael Meireles, Ramone Abreu Amado, Raquel Stolf, Ryana Gabech, Ronaldo Machado, Rubens da Cunha, Telma Scherer, Vinícius Alves, Vinicius Lima. Diálogos com a literatura brasileira – volume III será distribuído gratuitamente no lançamento porque o livro obteve patrocínio da Eletrobrás Eletrosul via Lei Rouanet. O livro tem 416 páginas de discussão sobre o oficio literário e leva os selo das editoras Movimento e Letradágua. Todo o tratamento gráfico foi criado pela a artista Vanessa Schultz.

Alguns escritores ainda sabem o que dizer

Chimamanda Adichie: O perigo de uma única história

Parte 1



Parte 2

sábado, 29 de maio de 2010

Tarde

teu corpo de fêmea casta
castra meu corpo atroz

capta o sangue das gaivotas
opta pelo desamor

rapta o curso - quase pó -
de um sol trapiche covarde

tarde: tua carne fenece
dentro da minha cabeça

cabaço de poemas crus

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Aulinha básica

O assinalado, poema de Cruz e Sousa, por Dennis Radünz


CRUZ E SOUSA NA TV

João da Cruz e Sousa (1862-1898), criador de uma música verbal única em língua portuguesa, é tema do programa "Santa Catarina em Cena", no sábado, 29, cerca de 11h50, na RBS-TV. Com direção de Bhig Villas-Bôas e produção da SetCom, o curta de quinze minutos inclui depoimentos de pesquisadores e especialistas na obra do autor de "Emparedado" e pretende traduzir para o grande público a densa poética simbolista do poeta catarinense. Entre os entrevistados, o escritor Dennis Radünz (um dos poetas no singular), interpreta o célebre soneto "O assinalado".
Foto: o poeta Dennis Radünz conversa com o poeta português Luís Serguilha no Palácio Cruz e Sousa

Uma crônica de Rubens da Cunha

A FAMÍLIA ADESIVADA

Uma nova moda anda se impondo nas cidades, ou melhor, nos carros: aqueles adesivos que mostram como é a família do dono do carro a outros motoristas e pedestres. Enfim, na era dos reality shows, esta é mais uma mostra de que o público e o privado já não conhecem limites. No começo, eram apenas os bonequinhos tradicionais: a mãe, o pai, os filhinhos. Mas como faz tempo que o mundo não é mais tradicional, surgiram as variantes, tanto no design dos bonequinhos quanto em novas possibilidades menos “certinhas”. O lugar de colar esse retratinho lúdico da família é sempre o mesmo: a traseira dos carros. Mas as possibilidades variam. Comecei a notar isso quando vi um carro com adesivos apenas da mãe e de três crianças. Cadê o pai que não merece um cantinho também? Deve ter fugido, se ausentado, esquecido da família, como é típico em muitos homens. Perdeu sua condição de pai naquele carro. Também já vi apenas o pai e o filho, fiquei imaginando que talvez quem tenha colocado adesivo foi o filho, e lá no carro da mãe esteja ele de novo e a figura da mãe. Minha mente trágica não evitou a possibilidade da morte da mãe. Uma provável viuvez do pai, ou ainda a presença de uma madrasta que não merece adesivinho no carro. Esse é o mal dos adesivos, são muito genéricos. Não apresentam detalhes mais específicos. Depois começaram a surgir os animais: cães e gatos principalmente. Assim, primeiro surgiram algumas famílias completas mais um ou dois animais de estimação. Claro que o tradicional também sofreu suas alterações: já vi mulher com gato, homem com cachorro, casal com cachorro e gato. Vi até papagaio, mas esse era num carro de um avô e de uma avó, provavelmente, pois entre os adultos havia pelo menos oito crianças, mais os cães e gatos e, claro, o papagaio. Aquele carro era uma festa. Dias desses vi uma figura que representava claramente uma mulher mais velha e seus dois gatos. Achei simpático. Alguns casais ainda sem filhos se colocam lá, entre eles um coraçãozinho vermelhinho como convém à representação do amor. Minha mente trágica novamente trabalha contra, prevendo que o primeiro a se descolar ali será o coraçãozinho cheinho de amor. Depois o casalzinho amoroso se desfaz no primeiro acidente que houver. Definitivamente, minha razão é uma estraga prazeres do romantismo meu e alheio. Já vi também um bonequinho solitário, apenas ele. Fiquei imaginando o que leva um sujeito a se colar como solteiro na traseira de um carro, a subverter tanto a essência dessa moda que é mostrar ao mundo seu círculo mais pessoal de relações e colocar-se como autossuficiente para o mundo?Como toda moda, por mais simpática e inofensiva que seja, essa vai durar só algum tempo, (alguém se lembra daquelas manchas, ou buracos de tiro que infestaram carros alguns anos atrás?). Talvez até lá eu consiga ver outras configurações familiares ainda não vistas e também ficar imaginando que para cada família que vejo, tradicional ou não, enquanto estiverem ali devem estar felizes, o que já faz a vida ficar um pouco melhor.

domingo, 23 de maio de 2010

Entrevista com DONALDO Schüler




Parte da entrevista saiu neste domingo, dia 23 de maio, no Caderno de Cultura IDEIAS do Jornal A Notícia. Ao final vocês poderão encontrar um link para ter acesso ao conteúdo total que é resultado de 3 horas de conversar com Donaldo.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um poema de Marco Vasques

Poema do livro inédito ANATOMIA DA PEDRA & TSUNAMIS


no voo do pássaro
o teu olho menina
uma asa
tesouro
nesse
carrossel de escombro

Unofamília - uma história de amor

A mãe meditosentada na cadeira. Nua. O pai mongevestido, servindo saladas.
- Limão, querida?
- Não, em homenagem ao Alfredo que não gostava de limão.
Comem à cabeceira da mesa. O pai acaricia a testacadáver do filho.
- Por que a morte gela a carne querida? A batata não cozinhou o suficiente, desculpe querida.
- Por que será que o matamos? Não haveria outra solução. Ele está bonito, me passa o almeirão, parece tão tenro.
- Quem? Alfredo ou o Almeirão?
- Os dois. E se os comêssemos?
- Somos vegetarianos, querida, não podemos comer carne. Princípios são princípios.
- O que vamos fazer, será que não vão perguntar por ele?
O pai passa a lavar os pratos.
- Creio que não querida, Alfredo não era um homem que despertasse perguntas, todos só lembravam dele quando o viam, não o vendo, não haverá perguntas.
- E os restos deste corpo, o que faremos? A carne logo desaparecerá, mas e os ossos, se pelo menos o Rex estivesse por aqui.
- Se Rex estivesse vivo, Alfredo estaria vivo, querida.
A mãomãe alisa a nudezmorte de Alfredo.
- Meu filho, matá-lo foi um bem, aquele seu ato, aquele ensopado. Era o Rex, Alfredo, o cão, a reencarnação de nosso mestre Chenrezig, comê-lo ensopado! E pior, exigir que comêssemos também, Alfredo!
A mãe sexosenta-se sobre o corpo do filho. O pai dedotoca-se. Olham-se amorosos.
- Isso, querida, convença-se, acredite, ele estava descontrolado. Apontou-nos uma arma. Não tivemos escolha.
E gozamvivem a noite toda. Ora a mãe, ora o pai voampesam sobre a pélvis gélida de Alfredo.
Amanhecem entre restos de cenouralface.
A mãe num sustogrito:
- O que você fez com Alfredo?
O pai olhacorda-se. Desespera-se. Alfredo não está.
- Como pode, querida. Ele estava aqui, amamos Alfredo a noite toda, quando cansamos, dormimos aqui. O que aconteceu?
A porta se abre. Alfredo vemfeliz da cozinha.
- Mãe, Pai, fiz o desjejum para vocês, em agradecimento por terem me trazido de volta. Foi o amor carnal de vocês que me fez retornar à vida.
Pai e mãe mantrajoelhados, em transe de adoração. Alfredo prepara a mesa. Pratos. Talheres.
- Sentem-se meus amores, preparem-se para o banquete. Vocês precisam de muita proteína para me amar todas as noites. Só assim continuarei vivo.
E Alfredo trouxe de entrada, peludopatinhas assadas. Após, pratoprincipal, um ensopado agridoce com a parte mais nobre da reencarnação de Chenrezig.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

A PRIMAVERA NO FIM DO TÚNEL

Lá fora, cinzas esfriam a manhã. Na TV, propagandas tentam convencer que o consumo é a salvação da alma. Além, um rádio. Reduz o volume e tenta ouvir melhor o rádio. Alguém raivoso se arvora dono da verdade. Deve cansar ser sempre dono da verdade, por isso vê alguns comunicadores tão cansados. Retorna à TV, a salvação da alma agora é tratamento capilar. Você quer reconstituir seu cabelo de forma natural? Tratamento definitivo. Shampoo Francisco Alves. Quem dá nome de um cantor a um shampoo? Francisco Alves, a voz. Era ele quem cantava “tornei-me um ébrio”? Não, este era o Vicente Celestino. De qualquer forma, era um tempo em que cantores tinham que cantar efetivamente. Olha pela janela. A frieza da manhã continua firme. As digressões continuam também firmes em sua cabeça. Lembra-se da tarde estranha que teve no dia anterior: uma mulher tirou as dentaduras na sua frente. Os dentes na mão. O riso todo vazio na boca. Ele afastou-se para não rir. Vergonha de sua boca toda prenhe de dentes. Lembra-se também da toda dentada Susana Vieira e sua fala numa propaganda sobre as benesses de um cola para dentaduras. Um paradoxo da publicidade. Há um paradoxo também nos dentes: se não se cuida deles apodrecem e caem, os dentes dos vivos são frágeis, já os dentes dos mortos permanecem firmes, grudados nos maxilares, são duradouros os dentes dos mortos. Por que será? A TV continua ligada, os canais continuam vomitando inutilidades: o resultado do futebol, esse incômodo que vai se agravar nos próximos meses. Dunga, o novo vilão da nação brasileira. Tanta paixão destinada ao objeto errado. Se um pouco mais desse apego a uma ideia fosse, por exemplo, destinada às câmeras de vereadores, às assembleias legislativas, às prefeituras, as coisas seriam diferentes. Ri um pouco, agora é ele quem está se arvorando dono da verdade. Cada um que destine sua paixão ao que lhe convier. Na TV, uma modelo passeia por Milão, entrevista brasileiros vencedores naquela cidade, inclusive a mulher de um jogador de futebol. Sem dúvida, uma bela vitória da loira. Cada um com a sua vocação e a sua sorte. Talvez a manhã termine sem chuva. Um pouco de sol à tarde lhe faria bem. Sairia da frente da TV e iria para frente da vida. Talvez encontrasse outras cenas estranhas como a mulher sem dentes, ou uma criação de patos que se alimentam de sopa de aletria, ou alemães dançando numa festa da banana. Sem coragem ainda para desligar a TV. Agora, é um notebook para comer com os olhos. Comer com os olhos é que o mundo está fazendo para conseguir salvar a alma. E ele, como vai salvar a alma? Consumindo? Ligando grátis? Pedindo ajuda? Assistindo a próxima novela? Talvez seja saindo de casa, mesmo que a manhã esteja acinzentando tudo, mesmo que o inverno esteja chegando e expulsando mais uma vez seu parco humor. Afinal, a mulher sem dentes ficará algum tempo na sua mente, nada poderá fazer quanto ao vômito festivo da TV. Terá que atravessar o inverno e esperar a primavera no fim do túnel, mais uma vez.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Poema de Cristiano Moreira

estou sentado esperando os outros,
mas essa espera é fora do tempo
é uma espera de fótons
a luz nesta sala escurece, não ilumina.
nesta luz, apenas um ruído de páginas
folheadas. ouço passos do lado de fora
talvez as letras em movimento tentando entrar
na sala. estou esgotado, o que me enche de força
porque para escrever é necessário o cansaço.
pouco movimento o corpo porque ao mover-me
todas as cores da sala, do buraco na parede
onde um rato espreita, das frestas por onde
o parco vento delata o exterior, tudo cria movimento
igual ao do deserto dilatado diante da íris
uma refração, um labirinto. sobre esta
tiniebla a sala se sutém. sei que em minha frente
há outros corpos. não os vejo, ainda.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Uma crônica de Marco Vasques

BONS DIAS II


Bons dias! Aqui as coisas pouco mudaram. Para ser sincero, nada mudou. Os hospitais renovam seus pacientes. Flores nascem e secam todos os dias nos cemitérios. As tragédias são renovadas a cada telejornal. Uma aeronave que cai. Um novo terremoto para se esquecer o Haiti e o Chile. Um vazamento de óleo no mar. Um homem que esquarteja uma amante. Alguns padres que insistem em fornicar com meninos. E o mundo segue no mais absoluto cinismo. A única novidade da semana, digna de relato, é que o mendigo aqui do Córrego Grande, bairro em que moro, passa o dia para cima e para baixo falando um poema de Manuel Bandeira: “Vi ontem um bicho/Na imundice do pátio/Catando comida entre os detritos./Quando achava alguma coisa;/Não examinava nem cheirava:/Engolia com voracidade./O bicho não era um cão,/Não era um gato/Não era um rato./O bicho, meu Deus, era um homem.” Ele mesmo um bicho, que atravessa nossas ruas todos os dias. A voz que canta o poema está a nos mostrar a consolidação do poema. Ele, o mendigo, o próprio poema em carne. Quais corações, além do meu, ele tem dilacerado com sua ironia? Eu tenho dito que aqui as coisas não mudam, não mudam mesmo: mataram Kenefer. Ah! Os sonhos desta menina de sete anos, que foi violentada e enforcada, escorrerem pelas paredes de meu quarto. Eles evocam pinturas, todas contemporâneas. Sim. Aqui tudo é contemporâneo. Até as pinturas imaginadas ou sonhadas têm que ser contemporâneas. Todos os artistas se intitulam contemporâneos. As mortes e os medos são contemporâneos. Os assassinos, em seus depoimentos, culpam os curadores, pode? Sim. Um crime contemporâneo tem que ter um curador-cúmplice. E não pensem que se trata de uma metáfora, não é metáfora: os sonhos de Kenefer Maria de Jesus Magalhães continuam a escorrer pelas paredes de meu quarto e não se desgrudam dos meus sonhos. Piso, com os pés nus, em alguns deles. Num desses sonhos areias adentram nos meus olhos. Nada enxergo. É o sonho me livrando do sonho. Ilusão. Os sonhos de Kenefer e a voz do andarilho não me deixam e me jogam para o abismo.

Um poema de Antonio Carlos Floriano

ela que não te amava
teve contigo quatro filhos

ela que não te amava
viveu contigo trinta anos

ela que não te amava
perdeu contigo sua beleza

queria mesmo era outro homem
os filhos de outro homem
o amor de outro homem
porque ela não te amava
nunca beijou tua boca
com a fissura dos que amam
nunca gozou na noite mas gemia

nunca foi feliz apesar das crianças
porque ela não te amou
por um segundo de vida

Uma crônica de Rubens da Cunha

AS AVENTURAS DE UM PRÍNCIPE INTERGALÁTICO

Acorda! Ei moça, acorda!, Acorda moça, por favor! Você precisa saber que eu atravessei anos-luz atrás de você, desde que implantaram esta maldita profecia no meu cérebro, que eu só ouço isso: “encontre o pequeno sol, dê nove saltos e vá até a lua mais próxima. Lá encontrarás a amada que te salvará, adormecida há milênios, beije-a e viverão felizes para sempre”. Então decidiram, lá naquela minha galáxia de merda, que eu deveria sair atrás da princesa e que este era o único jeito da nossa raça sobreviver, me enfiaram em uma nave, me mandaram em direção ao tal do pequeno sol, sempre ouvindo esta porcaria dentro da cabeça. Cheguei no sol, uma titica amarela metida a quente, comecei a saltar de planeta em planeta, o primeiro e o segundo sem graça, o terceiro tinha uns caras que se achavam o máximo, foi legal ficar lá um tempo, até descobri que eles inventaram uma historinha parecida com a minha, sobre um idiota que vinha de um tal de Kripton, e que usava as cuecas por cima da calça e voava, que de vez em quando quase morria, isso eu nunca entendi direito, era um lance com uma pedra. Tinha outra coisa também que eles não conseguiam explicar, o idiota fortinho se disfarçava com óculos e ninguém reconhecia... Acorda! Ei moça, acorda!, Acorda moça, por favor! Bom, quem sabe eu falando bastante você acorde. Era só o que me faltava, uma princesa bem adormecida. Continuando, aí eu cansei lá do terceiro planeta, que eles chamavam Terra, me aporrinhou aquela gentinha, continuei saltando. No planeta vermelho, encontrei outros caras, verdes, que de vez em quando iam a Terra, aí começaram a me explicar porque eles nunca apareciam para os terráqueos, eu nem quis ouvir, dei mais um salto, outro planetinha insosso, depois veio um bonito, fiquei lá curtindo as fumaças que rodeavam este planeta, davam um barato legal, queria ficar mais, mas a desgraça da voz no meu cérebro, dizendo continua saltando, continua saltando, dei mais três saltos e cheguei aqui, frio pra cacete, escuro que nem o debaixo da cobra, fiquei procurando a tal da lua, achei, mais fria e mais escura, até que te encontrei dormindo. Olha, eu não sou de reclamar, mas veja bem, eu fiquei aí pulando de planeta em planeta e você dormindo, fiz o que me mandaram, dá um beijo, tô aqui há horas te lambendo e nada de você acordar e me achar lindo e viver feliz para sempre. Acorda! Anda! Temos que perpetuar a espécie. Acorda! Ô bela adormecida, teu príncipe chegou, vamos meu bem, acorda, faz tua parte. Não acredito! Esta princesa morreu, como é que desliga essa voz? Sabe duma coisa, mesmo com essa voz na cabeça, eu vou voltar lá para aquele terceiro planetinha infernizar a vida daqueles imbecis, fica aí sua adormecida morta, espera outro trouxa para te acordar. Droga de Profecia...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Da Série "Eu odeio certas verdades" V

Humano é o pior vocábulo.


C. Ronald in: Como Pesa!

sábado, 8 de maio de 2010

Poema de Dennis Radünz do livro OSSAMA inédito

CUIDADO: VEÍCULOS


1/ [o estacionamento]

se desobedecêssemos
ainda em círculo concêntrico
as zonas do parqueamento
e nos desorientássemos
motores¦músculos¦assentos¦
nos comboios dos passantes
e nas procriações da espécie
em vagos de estacionamento

ou nos viesse vagarosamente
a roda em volta das errâncias
desde a origem das distâncias
no cesso andar das direções
(os descendentes dos fugados
mudados dentro das medulas
no acidental dos batimentos
e retumbados no descentro)

2/ [o acontecimento]


curássemos as máquinas
dos resíduos do arruamento
os carros-forte¦carros-leito
carros-bomba¦cargas-vivas
(e os pericarpos das carcaças
depois suspensas pela cauda)
e que nunca descuidasse-nos
o aceso insone dos sinais torrentes

como se a combustão interna
nos ressalvasse os porta-vidas
no quando nos atravessasse
o irrefreável do Automóvel
que no depois ultrapassasse
toda barreira entre as espécies
e inoculasse-nos o aço¦o freio¦o polietileno
no ponto morto entre as membranas:

como se carros começassem a nascer-nos nas arcadas
e esses ossos de mandíbula absorvessem-nos o dente

Um texto de Ryana Gabech

IRÔKO

Corri passo ar passo ar passo ar passo ar passo. Ofegantes braços grandes de Irôko. Uma ladeira: limo e chuva, dois pés 500 metros até Irôko. A casa da alma. Árvore que fala. Os braços da figueira para o alto. Machucados. O interior do tronco: desenho sobre raízes que brotam. Ondas de madeira atlântica. Canto úmido dos pássaros desabrigados, esquilos com fome, formigas a enfeitar a entrada da seiva. Sobre o rosto de Irôko a terra roxa. A lágrima e a sombra. Galhos altos. Pesados. Fincados na ladeira da inclinação. Passeio as mãos nos pés do povo-em-pé. Acaricio a pele da árvore, transpiro. Deixo lá um pouco do meu suor. Choro sobre as raízes-feto de Irôko. O corrimão da escada para o céu é áspero. Lavo o corpo, minha pele de crocodilo. Ouço o tintilar de um búzio. Desejo escalar Irôko. Morar na sua neblina, na sua passagem de anos, seus galhos calvos, suas rugas-mapas, sua firmeza branca. Que há além do caminho mais alto do último galho?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Lançamento do livro de poemas Celacanto

Noite de terça-feira 04/05/2010
Itajaí
Beira de Rio
Industrya Choperia
Livro: Celacanto 2ª ed
de Bento Nascimento e Antonio Carlos Floriano
ed. papaterra.

tava bom!!!


















quarta-feira, 5 de maio de 2010

Um texto de Marco Vasques



AHZERITURIS

O beijo tocou sua mão, secular. Ahzerituris não sabia e nem podia se livrar daquele primeiro beijo que gerou a sucessão de muitos outros. Sua linguagem começou pelas mãos, quando recebeu o primeiro beijo, ainda no útero materno. A própria mão já não era mais identificada como mão, mas o beijo de Ahzerituris. Uma bola de fogo a tocar corneta entre seus dedos, braços, e, depois, por todo o corpo. Como desejou se despir daquela miríade de beijos, uns mais sufocantes que outros. Seu corpo, agora, era uma ânfora de guardar beijos. Mesmo que não quisesse, e por mais força que fizesse, lá estava Ahzerituris: no altar, levando o beijo abominável do padre babão e tarado. Ahzerituris, que nunca frequentou qualquer reunião religiosa - em seu planeta isso era perfeitamente normal e saudável -, sempre ao badalar do ângelus já sabia de sua desgraça. Nas segundas e terças- feiras o beijo era colhido no altar, nas cerimônias de casamento. Assim Ahzerituris ia se metamorfoseando em ósculo. Estava nas enfermarias, no metrô, no ônibus, avião, maternidades, escolas, repartições públicas e privadas, motéis, praias, bosques, praças, escritos antigos e modernos, manuais para iniciantes... Enfim, quando percebeu que perdera toda a sua humanidade e que não passava de um gesto mecânico, insípido e de decoração social, Ahzerituris, que de homem sensível se tornara bibelô de salão de festa, esculpiu em mármore a imagem de um beijo terno e desapareceu do planeta Aicos, onde sua personificação já se havia pulverizado pelo excesso de uso e pela mecânica cotidiana. Contam os arboniois, povo do planeta de Arbono, que Ahzerituris se transformou na mais bela puta do planeta Terra, contudo desistiu deste planeta também e esculpiu, agora em ferro, um beijo com bafo de ferrugem acariciando uma parede de concreto.

Uma crônica de Rubens de Cunha

POETA QUASE VALORIZADO
Zeca Baleiro, numa de suas melhores canções, ironiza a amada por ela só pensar em grana: “você só pensa em grana / meu amor! / você só quer saber / quanto custou a minha roupa [...] você só quer saber / quando que eu vou / trocar meu carro novo / por um novo carro novo / [...] você rasga os poemas / que eu te dou / mas nunca vi você / rasgar dinheiro” e termina a canção com versos ainda mais irônicos, quase aterradores: “... enquanto você ri no seu conforto / enquanto você me fala entre dentes / poeta bom, meu bem, poeta morto.”O fato é que há um mito, ou uma dessas verdades populares que confirma a “verdade” dita por essa mulher na letra de Zeca Baleiro: a morte dá uma boa valorizada no poeta. Talvez isso tenha advindo do romantismo, onde poetas morriam muito jovens, era quase uma condição essencial para se tornar um: Álvares de Azevedo, Castro Alves, Gonçalves Dias são exemplos dos que cumpriram bem essa espécie de mandamento do romantismo. No século 20, também pensando no caso brasileiro e ficando apenas nos nomes mais conhecidos, essa verdade não foi cumprida já que escritores como Drummond, Cabral, Vinicius, Quintana foram bem longevos. Outros que permanecem vivos e atuantes são Ferreira Gullar, Adélia Prado, Manoel de Barros, o último está beirando um século de vida. Enfim, a regra de morrer jovem não foi mantida, mas a ideia de que a morte valoriza a obra permanece firme ainda. É como se a percepção trágica de que o poeta não escreverá mais faça com que a mídia, e consequentemente, o público olhe com mais atenção para a obra produzida, até com uma certa condolência, parece que ler um poeta recém morto é homenageá-lo, pedir-lhe desculpas por não tê-lo lido enquanto estava vivo. Digo isso, porque na bela manhã do domingo passado, eis que quase dou uma valorizada na minha obra, caindo de moto em plena BR-101. Por sorte, nada me aconteceu além dos ralões convencionais. Nunca tive uma queda em velocidade tão alta, o que me fez pronunciar nos segundos em que caía um “agora morri”, mas devo confessar que não deu tempo para pensar no quanto meus escritos valorizariam. Quando tudo parou, percebi que estava inteiro, levantei e vi que a queda não passou de um susto, ou nesses casos, o bem mais poético, correto e famoso “cagaço”. O pior é que eu estava indo para uma festa. Tem coisa pior do que em vez de chegar o convidado, chega a notícia trágica de um acidente? Quem já passou por isso, sabe o tamanho do buraco que se abre no chão, e que, muitas vezes, jamais é fechado novamente. Quanto à minha mais recente queda de moto, não foi o caso, ainda, de rever minha vida. No entanto, esses momentos em que nossa fragilidade física nos atropela, faz com que a gente respire mais fundo, pense algumas coisas e se antene: morrer não tem graça nenhuma, nem sequer para valorizar a obra.

sábado, 1 de maio de 2010

Quem viver verá



Estamos no meio de uma transformação tecnológica. O objeto livro desaparecerá? Seu design perfeito, que eu costumo comparar à roda, conseguirá manter-se na era da internet?

Pietra – Pedra destruída

Pietra chora,
abandonada por tantas vezes, na cama uns lençóis sujos, esperma ainda úmido do último, as paredes descascadas, o espelho quebrado no canto, Pietra quebrada, puta de esquina, o primeiro que aparece.
Desde sempre assim, não vontade, não dor, destruição.
A cada novo cliente um tijolo cai, esboroa-se, por isso Pietra chora, é o que resta, o que carcome os intestinos. O outro surgiu,
quanto é,
dez real,
completo?
sim,
vem,
chegam no motel, bom, Pietra vai se destruir muito aqui, o outro por trás,
tira a roupa, anda, quero vê tu pelada,
Pietra faz, o outro já pega em sua nuca,
chupa,
Pietra atropela os baixos do outro, destruição, o volume aumentando em sua boca, sabe fazer, língua pra trás, cuidado com o dente, mais fundo, só a cabeça, Pietra gosta, mais um pouco toda ruína,
mais rápido, quero gozar na tua boca, puta,
Pietra sabe apressar,
isso, isso, mais, isso,
a mão atrás da cabeça, Pietra sem respirar, esperando do outro o que ele pode dar,
não engole, cospe, quero ver tu cuspir, isso, agora limpa, mais um pouco, isso, sabe fazer, quanto é para fazer de novo?
mais dez real,
vinte pra tu me dar o rabo,
dez real e eu te dou o cu agora,
Pietra chora, destruição, prazer, vai se acabar, bom esse, rico, paga bem, Pietra hoje consegue progresso grande, de quatro sobre a cama, o outro resfolegando, mais sempre pede mais, isso, muito prazer, Pietra chora.
O outro já foi, insistiu em pagar trinta, gostou tanto, disse que volta logo,
puta boa, faz tudo sem reclamar, lambe um pau que é uma beleza, toma trinta pela competência,
Pietra, destruída, falta pouco, logo pó, sai do hotel, volta pra esquina, muita noite ainda, vai ser difícil, mas talvez tenha de novo a sorte que já teve hoje.