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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A criação de cavalos - Crônica de Rubens da Cunha

Fim da década de 1940, Morro do Jacu, interior de Araquari. Longe dali, a grande guerra tinha acabado, mas naqueles pastos poucas notícias chegavam. O que interessava era preparar a terra para a lavoura, tratar do gado, cuidar dos porcos, das galinhas e dos cavalos, viver cada dia na rotina do trabalho, na rotina dos pequenos afazeres que moldavam a vida daqueles agricultores do antigamente. Cavalos sempre foram os preferidos de Ricardo, um dos muitos filhos de Rufino e Alice, os donos daquelas terras quase que totalmente cercadas pelo rio Piraí. Eram animais que tinham tudo o que ele gostava: velocidade, força, elegância. E a liberdade dos pastos, dos galopes nos amanheceres, além das carreiras nas raias, a melhor diversão dos finais de semana. Ricardo cuidava dos cavalos, mas não sabia como eles nasciam. Certo dia, lhe contaram uma história e os dias de Ricardo passaram a existir para comprovar tal história. Um dos cavalos do pai morreu, Ricardo nem ligou se era macho ou fêmea, queria mesmo era que o cavalo apodrecesse logo, afinal precisava dos dentes do cavalo para fazer sua experiência. Rufino retirou o cavalo do pasto e o levou a um descampado, nos limites de sua terra. Logo os urubus começaram a sobrevoar o lugar, Ricardo os acompanhava de longe, quando eles fossem embora é porque tudo estaria pronto. Dias e dias de espera, aos poucos os urubus foram rareando, apenas uns poucos ainda pousados nas embaúvas e nas inhoçaras, até que Ricardo não viu mais nenhum. Finalmente pode se aproximar da ossada do cavalo morto. Os urubus e uns dias de chuva tinham acabado com quase todo o cheiro ruim. Ricardo aproveitou o fêmur do cavalo para passar sobre uma verruga que o acompanhava há tempos, mas nisso pouco acreditava, fez apenas porque certa vez viu um vizinho fazer, e não custava nada tentar fazer isso também. Porém, o que interessava ali eram os dentes do cavalo. Ricardo, lentamente retirou um por um como se fosse um troféu. Limpou todos nas águas ainda limpas do Piraí e os trouxe para o quintal da mãe. Entre uma horta de repolho e uns pés de cebola, plantou os dentes do cavalo, pois segundo lhe contaram, se fizesse isso, logo nasceriam potrinhos e ele não só poderia ter o seu cavalo, mas substituir ainda aquele que morreu. Assim, no outro dia, a primeira coisa que fez ao se levantar, foi correr para o quintal ver se seus cavalos nasceram. Repetiu o gesto por quase uma semana, até que desistiu. Convenceu-se que não tinha uma mão boa para plantar cavalos. Talvez quando ficasse maior conseguiria, ou os dentes plantados não fossem boa semente, talvez o cavalo fosse muito velho, ou tivesse trabalhado demais e por isso não quisesse nascer de novo. Tudo isso passou pela cabeça de Ricardo até que, aos poucos, entre uma caçada, uma pescaria, uma cavalgada e outra, ele descobriu como realmente nascem os cavalos...


Rubens da Cunha

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A verdadeira história de Papai Noel

E por falar em Natal, eis o humor anárquico dos "Anões em Chamas"






Feliz Natal :)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Poema de Natal

Alecrim
Marianne Moore




A Beleza e o filho da Beleza e o alecrim -

para flar claro, Vênus e Amor, seu filho -,

supostamente do mar nativos,

cada qual no Natal, em convívio,

engrinalda festão festivo.

Nem sempre alecrim-


desde a fuga para o Egito, é diferente o viço.

De folha lanciforme, verde mas argentina

por baixo, as flores - brancas no início -

são hoje azuis. Não é tão lendária

esta erva da memória, que imita o

manto azul de Maria,


a ponto de florescer como símbolo ou pique.

Medrando em pedras junto ao mar, de Cristo aos trinta

e três a estatura - de rocio

se nutre e como a abelha fla a "língua

do silêncio"; é na verdade um tipo

de árvore de Natal.



terça-feira, 14 de dezembro de 2010

William Coupon, sem data


Miles Davis (1926-1991)

Dialogo sobre un dialogo

A. —Distraídos en razonar la inmortalidad, habíamos dejado que anocheciera sin encender la lámpara. No nos veíamos las caras. Con una indiferencia y una dulzura más convincentes que el fervor, la voz de Macedonio Fernández repetía que el alma es inmortal. Me aseguraba que la muerte del cuerpo es del todo insignificante y que morirse tiene que ser el hecho más nulo que puede sucederle a un hombre. Yo jugaba con la navaja de Macedonio; la abría y la cerraba. Un acordeón vecino despachaba infinitamente la Cumparsita, esa pamplina consternada que les gusta a muchas personas, porque les mintieron que es vieja... Yo le propuse a Macedonio que nos suicidáramos, para discutir sin estorbo.
Z (burlón). —Pero sospecho que al final no se resolvieron.
A (ya en plena mística). —Francamente no recuerdo si esa noche nos suicidamos.


Jorge Luis Borges (EL Hacedor)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010



Ver a exposição

O elixir das linhas

(parte dois)

www.nautikkon.blogspot.com

+ 24 grafismos

de Fernando José Karl

Dica: pra ver melhor clique na figura.






Poema de Cristiano Moreira

A garrafa ágrafa

a garrafa ágrafa

poeira da escritura

porosidade da língua

a garrafa ágrafa

palavra pintura piano

silêncio

estrelas

a garrafa ágrafa

a mão espalmada

um lance de dados

um giro de facas

um olhar

a garrafa ágrafa

corpo mundo

=

habitação

=

espaço

a garrafa ágrafa

texto = texto

texto

texto = texto

a garrafa ágrafa

o eixo do vazio =

o branco entre-palavras

(nada =...)

a garrafa ágrafa

a imagem de tudo

um furo

=

conteúdo =

sobrenatureza

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Gustave Moreau


Quíron e Aquiles, Gustave Moreau (1859) 123X127 cm.

Poema de Cristiano Moreira

Pantomima de Quíron

para Omar Azevedo


o sagitário avança na direção do sol
outra vez e passa
o mímico em sua pantomima
meio homem-equestre
camaleônico
o sagitário segue para o mar
que o sal em sua pele
tantas vezes pintada dance
em seu corpo desdobrável
outra rota zoodiacal
o sol aguarda atrás do horizonte a chegada
de quíron para outra consulta sobre sonhos
dizia ao escorpião em um tempo anatanho
que queria o texto que só tivesse boca
um texto que fosse além do ponto
aquele em que se fica mudo
para ouvir o que realmente o mundo
cantaria em sua boca
o sagitário avança em direção ao sol
e passa
mímico em pantomima
meio iara meio saci
imitando o mar.


publicado também no blog cultura navegante

William Mortensen, 1932



CURIOSIDADES



Se você ficar gritando por 8 anos, 7 meses e cinco dias, terá produzido energia sonora suficiente para aquecer uma xícara de café.

O coração humano produz pressão suficiente para jorrar o sangue para fora do corpo a uma distância de 10 metros.

O orgasmo de um porco dura 30 minutos.

Uma barata pode sobreviver 9 dias sem sua cabeça até morrer de fome.

Bater a sua cabeça contra a parede continuamente gasta em média 150 calorias por hora.

O louva-deus macho não pode copular enquanto a sua cabeça estiver conectada ao corpo. A fêmea inicia o ato sexual arrancando-lhe a cabeça.

A pulga pode pular até 350 vezes o comprimento do próprio corpo. É como se um homem pulasse a distância de um campo de futebol.

O bagre tem mais de 27 000 papilas gustativas.

Alguns leões se acasalam até 50 vezes em um dia.

As borboletas sentem o gosto com os pés.

O músculo mais forte do corpo é a língua.

Elefantes são os únicos animais que não conseguem pular.

A urina dos gatos brilha quando exposta à luz negra.

O olho de um avestruz é maior do que o seu cérebro.

Estrelas-do-mar não têm cérebros.

Ursos polares são canhotos.

Seres humanos e golfinhos são as únicas espécies que fazem sexo por prazer.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

UMA CRÔNICA DE RUBENS DA CUNHA

ESTÃO QUASE TODOS MORTOS
No começo dos anos 80, a Telesp lançou uma campanha de conscientização sobre o vandalismo com os orelhões em São Paulo. O comercial se tornou um clássico ao expor a morte de um orelhão em frente a dezenas de pessoas abismadas. Pois bem, 30 anos depois, os orelhões nas cidades são, em sua grande maioria, cadáveres da tecnologia. Estão lá apenas para atrapalhar os deficientes visuais e enganar os incautos que ainda acham que vão encontrar um funcionando. Este ano, ocorreram algumas situações em que precisei de um orelhão. Sou um crônico esquecedor de celular (sem falar da falta de crédito). Precisei usar orelhões. Em Florianópolis, todos os orelhões no entorno da UFSC não funcionam, estão mortinhos da silva, acredito que no resto da cidade também. A outra vez foi em São Bento do Sul, cidade pequena, organizada, “claro que os orelhões estarão em ordem e eu poderei usá-los sem medo”, pensei, ainda cheio de ilusões. A minha ilusão foi se gastando da primeira à sexta tentativa. Tive que desistir no sétimo orelhão que não funcionou. Deixei o destino agir sem que eu pudesse dar a notícia que precisava. Teria uma boa desculpa, apesar da falta de testemunhas, mas acredito que seria fácil provar, bastaria ir a São Bento de novo, refazer a saga dos orelhões, que, provavelmente, continuariam mortos sobre as calçadas. Depois, em Joinville, onde praticamente todos os orelhões do Centro estão mortos. A mesma agonia, nenhum funcionou, e lá fui eu, atravessar a cidade para pegar meu celular e poder ligar. Em junho deste ano, o jornal “A Notícia” testou 71 orelhões no Centro, 61 não funcionaram. É bem provável que os dez vivos em junho, tenham também ido para o céu dos orelhões. A julgar pela mostra, e por uma pesquisa na internet, em todos os lugares está assim. O pior é o suspense que se cria: você avista o orelhão, já que por fora eles estão apresentáveis (pois agora servem mais de outdoor do que de telefone), chega e olha embaixo: se ele não apresentar sinais de estragos visíveis, você tira o telefone do gancho, põe no ouvido, cadê a linha? É morta também; ou tem linha mas não aceita o cartão, ou tem linha, aceita o cartão, mas não completa a ligação. Enfim, algo muito sinistro acontece debaixo dos orelhões: um mundo de silêncio, de destruição, de completa falta de comunicação. Tá bom! Estou exagerando um pouco, acontece mesmo só a raiva de quem precisa desse serviço e ele não está disponível. Então eu pergunto: se quase ninguém mais usa, por que deixá-los feios, inúteis e mortos, pelas ruas? Por que dar esperança àqueles poucos que ainda estão presos a um tempo em que orelhões funcionavam, serviam às urgências, enfim, eram bens públicos em bom estado de conservação, sempre infalíveis? Por que permitir que os orelhões não funcionem, mas sejam espaço de publicidade para um empresa privada? Não seria esta empresa responsável pela manutenção? Para quem ela paga pelo espaço publicitário? Para quem eu tenho que ligar (do meu celular) para tentar resolver a situação dos orelhões?