...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

RICHARD RORTY (1931-2007) RESPONDE A GIOVANNA BORRADORI


Uma das suas definições mais debatidas, a de cultura pós-filosófica, repropõe o problema da transdisciplinaridade, tanto no nível teórico como no institucional.


Todo esse problema nasce do desejo de reagir contra a noção científica de filosofia. A filosofia não é uma disciplina quase científica: no momento em que se pensa nela em continuidade com literatura não tem mais sentido nenhuma segmentação disciplinar. Parece-me que na Europa se lê a filosofia nesta chave já há muitíssimo tempo. Valéry e Sartre perambulavam de uma para a outra conforme o momento. E parece-me uma condição bastante desejável não ter mais de preocupar-se se estamos escrevendo filosofia ou literatura. Nos Estados Unidos, não se pode permitir isso porque é necessário prestar atenção a que departamento se pertence.


(A Filosofia Americana, Unesp, 2003)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

o gigante e o leito

no Itajaí açu, preparam o gigante
para levá-lo ao berço
os braços erguidos
das matronas aguardam
a evolução na bacia
umbanho no lugar
onde antes era a divinéia
dura um sonho ruidoso
seu sono de aço no leito do rio.

cristiano moreira

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

UMA CRÔNICA DE RUBENS DA CUNHA

OURIÇOS


O ouriço é um bicho poético por natureza porque parece intocável. Há nele a alegoria perfeita de que tudo tem, no mínimo, dois lados, duas possibilidades de olhar. O ouriço e suas costas cheias de pelos-espinhos, o bicho capaz de se enrodilhar e virar uma bola de agressão, de dor, de medo para quem chega perto, é o mesmo bicho macio e delicado, um bicho frágil, angustiado por sua condição dupla: espinho e candura. Muitas pessoas são assim, ouriçadas. Obviamente algumas se tornaram apenas espinhos, sem dentro, sem espaço macio, mas outras não, outras carregam nas costas o peso dolorido da vida, e mal ou bem, passam adiante esse peso, mas também tem uma elegância, uma vontade de serem mais leves, menos secretas em suas qualidades. Somos rasos por natureza, nos apoiamos muito nas aparências, então ao vermos um ouriço só vemos seu externo, seu perigo, pouco vemos o dentro, o lado encostado à terra, o lado que precisa, de uma forma ou outra, ser protegido. Na verdade, somos todos meio ouriços, somos todos meio casca agressiva, seja para nos mantermos vivos e dignos, seja pelo medo de sofrer mais ainda. A questão fica por conta da falta de equilíbrio de alguns: muitos se disfarçam em espinhos que se transformam em um deles. É o verso de Fernando Pessoa revivendo, reafirmando uma verdade: “Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. / Quando quis tirar a máscara, / Estava pegada à cara. / Quando a tirei e me vi ao espelho, / Já tinha envelhecido.” Esse é o perigo, uma vida se enrolando, se fazendo bola de espinho, se fazendo máscara, para depois descobrir-se velho, descobrir-se azedume e impossibilidade de retorno. Não que tudo tenha que ser sempre doçura, candura ou uma vida rimada no sentimentalismo de Poliana, mas algum bom senso, algum espaço para entregas, para confianças, para o uso delicado e poético da vida temos que ter. Viver é ter sempre esse cuidado de não deixar que a máscara se apegue à cara, que o espinho não atravesse a pele e atinja algo dentro. Mas também tem o outro, afinal existimos em função do outro. Ninguém é uma ilha, já anuncia a séculos o clichê, somos comunidade, e isso nos ouriça, isso nos faz enrodilhar muitas vezes. Viver é conseguir, de uma maneira ou outra, que o enrodilhamento, que o espinhamento, não seja total, não seja para todo o sempre, não seja a única maneira que temos de contato com a pele do outro. As defesas são justificáveis, o problema se estabelece quando defesas se transformam em ataque, ou quando o ataque é a melhor defesa, dai as relações se estremessem, daí somos apenas espinhos nas bocas dos cães, nada mais. Toda a delicadeza, toda a maciez se perdeu, pois deixamos nos outros apenas nossa casca, nossa máscara, nossa dor apegada à cara. Mostrar o rosto verdadeiro, mostrar o dentro do corpo, muitas vezes, é um ato bem mais corajoso e libertador do que nos protegermos com os espinhos, mesmo que para isso tenhamos que baixar as defesas, tenhamos sair um pouco da zona de segurança e invadirmos, frágeis e delicados, o desconhecido.

Poema de Edond Jabès


Aquí, el final

Aqui, el final de la palabra, del libro, del azar.//Desierto!/Arroja esse dado. No sierve para nada.//Aqui, el final del juego, de la semejanza./El infinito, mediante su letras, niega el final.//Aqui, el final no puede ser negado. Es infinito.//Aqui no es el lugar,/ni siquiera la huella.//Aqui es arena.


Aqui, o fim

Aqui, o fim da palavra, do livro,do acaso.

Deserto!
Lança este dado. Não serve para nada.

Aqui, o fim do jogo, da semelhança.
O infinito mediante suas letras, nega o fim.

Aqui, o fim não pode ser negado. É infinito.

Aqui não é o lugar,
Nem sequer o vestígio.

Aqui é areia.

Trad. Cristiano Moreira

Edmond Jabès

Nasceu no Cairo em 1912 e faleceu em Paris em 1991. Foi um dos grande nomes da poesia do século XX. De origem judaica, partiu do Egito quando o país expulsou os judeus em 1956 exilando-se em Paris. Estabeleceu contato com Max Jacob e outros surrealistas embora esta estética não tenha sido seguida em sua poesia. Em 1967 obteve cidadania francesa e junto com Sartre, Albert Camus e Levi-Strauss, teve seu trabalho exposto na Exposição Mundial de Montreal. Sua obra é permeada pelo misticismo judaico, uma das razões que levaram filósofos como Maurice Blanchot e Jacques Derrida a se interessarem por seu trabalho.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

UM POEMA DE ANTONIO CARLOS FLORIANO

DIA NUBLADO NA RUA ERNESTO KOBARG

o ipê nos roubou a luz do dia
engordou de tanto amarelo

depois na calçada
faleceu de chuva

Rubens da Cunha lança o livro Crônica de Gatos



O SINGULAR Rubens da Cunha lança, hoje, às 18h 30min, em Joinville, o livro Crônicas de Gatos na Estação da Memória (antiga Estação Ferroviária). Então quem estiver pela cidade das flores já tem o que fazer hoje pela noite. Parabéns Rubens! Parabéns!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ensaio publicado no Caderno IDEIAS [Jonal A Notícia] 21/11/2010


SOB A FACA GIRATÓRIA: SENTIDOS MÚLTIPLOS

Por Marco Vasques e Rubens da Cunha

A poética de Péricles Prade é conhecida por seu hermetismo, sua ligação com temas alquímicos e obscuros, a ponto de, na orelha do livro, Ronald Augusto afirmar que “não há concessão à sentença compreensível”. Sem dúvida, são poemas que não se deixam “compreender” facilmente, por isso é preciso encarar essas facas giratórias com os olhos racionais fechados e deixar a visão interna decifrar o mundo de imagens. É preciso acolher os meandros das palavras naquilo que elas têm de mais abissal, mais oculto, e entrar no mundo pradeano como um sujeito cego à “verdade”, ao “certo”, ao “poder denotativo”, ao “fazer sentido”, é preciso conquistar cada palavra e fazer com que elas revelem seus lados baixos, seus dentros.
Trata-se de um exercício denso de leitura, que pressupõe um leitor descansado e apto ao trabalho de invadir as memórias, as infâncias, os passeios, as mortes, as vidas. Se esse leitor tiver o aporte de leituras que envolvam o ocultismo e o esoterismo, em suas variâncias como a cabala, a gnose, a alquimia, se conhecer mitologia, religiões, artes plásticas, filosofia, seu trabalho de invasão pode ser mais fácil. Caso não tenha tanta informação, o leitor pode entrar na linguagem de Péricles Prade pela intuição, pelo acariciamento que suas imagens tortas, viscerais, delicadas fazem por dentro de quem as lê.
Sob a Faca Giratória tem 10 capítulos com 5 poemas cada um, os quais vão ganhando formas díspares, ora um haicai, ora um poema em prosa, depois apenas aforismos, e lá no meio, um soneto desvirtuado em estrofes no esquema 6-2-4-2. Tantas formas servem para trazer à luz a linguagem, na mesma medida, precisa e misteriosa do poeta: ”No palco convivem cupins-gêmeos, salamandras excitadas, gaivotas anãs, línguas vegetais, figos magros, unhas de vidro, cera pagã, caleidoscópios falantes, rãs carentes, canibais felizes, bailarinas grávidas, sacos de aninhagem, clérigos castrados e pragas de todo o gênero. E nem por isso desfaleço.”
Em Métodos, Francis Ponge desejava criar descrições-definições-objetos de arte literária que estabelecessem correspondências inéditas, que atrapalhassem as classificações habituais, e se apresentassem mais sensíveis, mais tocantes, e mais agradáveis. O livro de Prade cumpre o desejo de Ponge e segue pela via tortuosa da poesia fazendo aproximações, não apenas entre canibais e bailarinas, ou rãs e clérigos, mas na sua contundente qualificação dos elementos que surgem sob a faca giratória. Assim, no preciso “Louvor à perna que falta” sabemos que “Câncer não dá em fêmur de bicicleta” ou que “Isidoro enlouquece a tribo esfaqueando seu lábio leproso”.
De descrição em descrição, de definição em definição, os poemas vão se perfazendo, vão se dizendo, vão pulsando em seus espectros de sombra e hermetismo. Vez ou outra o sentido está na primeira camada, desmentindo um pouco a afirmação do poeta e crítico Ronald Augusto.

Tudo é mais limpo
no campo.

Laranjas podres
sob árvores mirins, tudo
é mais limpo no campo.

As gamelas continuam imundas.
Tudo é mais limpo no campo.

Vacas e as fezes generosas
nos galpões,
tudo é mais limpo no campo.

O lirismo da paisagem exposta no poema “No Campo” é sua grande facilidade de leitura, há nele os trâmites da infância quando laranjas, gamelas, vacas, tudo se fazia ao contato direto com a vida. Outro poema em que a infância reverbera na primeira camada de leitura é “Melancolia”, em que a “memória nela própria se esvai / cortada e recortada em fatias, / como as melancias do pai.” Entre dormir e acordar, viver e sonhar, o traço preciso de um tempo findo no passado, que pode ser lido como um “fantasma”, título de breve poema mais a frente: “quanto mais / não quer vê-lo, / aparece como sombra / grudada à pele.” Abre-se ao leitor o confronto de tempos: a infância é memória ao passo que o presente é permeado pelo esquecimento, pelo apagamento do corpo.
A infância também aparece no poema “Resistência”, mas dessa vez uma infância arcaica, ancestral, que vai de Mozart até Alexandria, suplantando tempo e espaço convencionais e estabelecendo num tempo e espaço ideal o nascimento ideal: “Alexandria, onde ter nascido eu deveria”.
Em “Outra Confissão” o embate fatal entre juventude e velhice, os contrastes, os paradoxos, as imagens de cada fase da vida se contorcendo sobre o poema, em sua verve de suor, verme, agulha de cristal, vaga-lume de chumbo, Reino e ponte quebradiça. O tratamento dado aos resíduos do passado e sua presença deslocada recebe tratamento distinto pelo poeta. Ora temos o lirismo, ora a ironia aliada ao sarcasmo. A morte é galvanizada pela linguagem.
A Poética de Prade vai se construindo sobre o signo da vida efêmera, do “Verbo enfermo” de tudo aquilo que perece, mas ao mesmo tempo tenta uma transcendência, ou melhor, uma permanência no mundo da palavra e do mistério, como cantam os versos finais: “Perfeito no salto triplo, hospedo-me no centro da mandala, grato por ter saboreado a parte invisível do fruto podre.” Assim, em Sob a faca giratória, Péricles Prade nos convida a um banquete para dividir com ele o perene ato de saborear a parte invisível de tudo o que é perecível. É preciso, também, um leitor que se veja no mundo dos espelhos, pois o duplo é a carnação hierofânica de Sob a faca giratória. As epígrafes de Trakl, Eliot, Montale, Quasimodo e René Char delimitam parte do campo semântico do duplo: o olho, o ouro, a sombra, o vidro, a água, o corpo. Péricles Prade não orquestra o mar como fez Tadeusz Kantor, ele vai além no mundo de suas hierofanias aquáticas, mergulha no mar para domar a linguagem e capturar o silêncio do tempo transfigurado e elevado em mundo líquido. A água é elevada à categoria de tempo, assim como a faca giratória metaforiza o esvaziamento, a fratura, o escorrer das horas (v. pintura Persistência da Memória, de Salvador Dali). Rodolf Otto e Mircea Eliade se debruçam sobre a sacralização da matéria, ou objetos cósmicos, como ambos conceituam. E aí retornamos aos duplos do mundo semântico de Sob a faca giratória e entramos no “poder denotativo” da obra de Prade para fruí-la a partir de sua força simbólica. É bem verdade, para nós, que Sob a faca giratória apresenta um poeta mais complacente com o leitor, porque o livro tem maior porosidade lírica e encanta, no momento da leitura, pela força que imprime no ritmo, nas imagens, no uso da ironia e pela linguagem-fragmento-imagem. Fiquemos com a declaração do poeta:


Sou a outra mancha
na imagem, o avesso
da fera, o espelho
partido, o princípio
e o fim.

Sou o som
da memória
aquela que provoca
os animais no paraíso
sob a faca giratória.

Temos na fala do poeta esta visão dupla de si mesmo. Uma visão espiral. Nos versos acima Prade nos dá caminhos diversos para fruir sua poética, mas deixa sempre claro que estamos diante de um poeta que parece ver a poesia do modo como queria Paul Valéry: “A Poesia forma-se ou comunica-se no abandono mais puro ou na espera mais profunda: se a tomarmos como objeto de estudo, é por esse lado que se deve olhar: é no ser, e muito pouco nos seus ambientes.” Então cabe ao leitor abandonar-se ou entrar profundamente nos giros das facadas giratórias de Péricles Prade.

Sob a faca giratória de Péricles Prade
Poemas, 2010
86 páginas
Editora Papa-terra

UM POEMA DE LÊDO IVO



A TEMPESTADE





Para que os cajueiros possam florir caiu esta
[chuva
que apagou as estrelas e encharcou os caminhos.
Água e vento derrubaram as cancelas antigas,
quebraram telhas, vergaram árvores, [suprimiram cercas,
desalojaram abelhas e marimbondos,
enxotaram os pássaros predatórios,
e o galinheiro é um cemitério de pintos amarelos.



Este é o regimento do mundo: relâmpagos e raios
antes da flor e do fruto.

[ O SINGULAR Antonio Carlos Floriano selecionou este poema do poeta LÊDO IVO para os blogueiros singulares. O quadro que ilustra o poema é do grande Hassis: o famoso VENTO SUL.]

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

FESTIVAL CATARINENSE DE TEATRO 3



por marco vasques


O Festival Catarinense de Teatro tem apresentado ao público da cidade de Brusque a diversidade do teatro do estado. São múltiplas formas, gêneros e estéticas espalhadas pelos palcos, escolas e ruas. A qualidade dos trabalhos obedecem a mesma multiplicidade, já que o evento reúne grupos diversos (profissionais, amadores, inciantes). Ontem o grupo teatral Panacéia [São Bento do Sul] apresentou Baião de 2. O espetáculo se propõe passar pelo vasto e complexo universo cultural nordestino. Tenta girar em torno das manifestações populares [oral e escrita] da cultura das letras nordestinas [cordel, trava língua e a poesia matuta]. Cícero e Geraldino são interpretados pelos atores Rafael Rodrigues e Rafael Padawan num cenário simples [um biombo, um banco e uma maleta] onde toda a ação acontece. Fazer uma reflexão sobre este trabalho exige cuidado porque são muitas as questões que me perseguem após a saída do teatro. Por que colocar um espetáculo desta natureza num palco italino? Por que submeter os atores a tal sacrifício se a estrutura do trabalho foi nitidamente pensada para a rua? Se a dramaturgia parece querer caminhar pelo universo da poética do Patativa do Assaré, do cordel e trava língua por que o grupo não explora a poesia do repente, da embolada ao universo proposto? Por que se utilizar de clichês televisivos para tentar arrancar o riso do público? Por que a narrativa gestual não busca um diálogo com o universo e as formas poéticas citadas superficialmente pelo grupo? Por que começar e terminar com Patativa do Assaré [em off] falando seus versos se a dramaturgia textual caminha para outra direção? Faço todas estas perguntas porque existe uma poesia latente que poderia explodir e invadir o público com o encantamento e com a beleza existentes no cancioneiro nordestino. É preciso fugir dos esteriótipos e dos clichês para se chegar à poesia. É preciso! É preciso mergulhar profundamente no som, no ritmo, na dor e no silêncio das palavras dependuradas no sonho desta nossa gente cantante. Por isso, ao término do espetáculo, fica a sensação de que se foi apenas à superfície e de que o trabalho precisa de um longo percurso para atingir a profundidade do homem assolado pela fome, pela seca e pelo preconceito beligerante de um burguesia hipócrita, brurra e brega! Falta ao grupo pesquisa e uma dramaturgia compatível à proposta explicitada. O diretor Robson Rodrigues terá muito trabalho pela frente! Muito!

FESTIVAL CATARINENSE DE TEATRO 2

por marco vasques

MEMÓRIA: METÁFORA DE ABANDONO

No livro Memória e Sociedade a historiadora Ecléia Bosi recupera parte da história e formação de São Paulo entrevistando e colhendo depoimentos de velhos que participaram e vivenciaram a história social da cidade. A companhia Dionisos usa o mesmo método para compor a partitura cênica de Entardecer. O espaço cênico, a cidade [Joinville, mas pode ser Berlin, Praga ou Imbituba] e os personagens são tramados e urdidos pela memória. São galvanizados no fio do impalpável. Sobrevivem da imatéria. É da relação do homem e seu meio social que vive a poesia de Entardecer. Nascemos para o esquecimento? Esquecer é um lembrar de nadezas? O que lembramos nos pertence? Que parte nossa se esvai com o esquecimento? Nossas desmemórias também dizem algo? São verídicas as nossas lembranças? Lembrar é reescrever? Escrever-se? Arrumar um lugar para o não-esquecimento? Buscar um sentido para o escorrer do tempo, para a finitude? O espetáculo Entardecer, dirigido por Silvestre Ferreira, nos coloca diante de infidas questões. Entardecer é, antes de tudo, uma partitura poética tecida pelo verbo em estado selvagem. O verbo-vulcão não violado pelas impurezas de uma sociedade deletéria ao sentido. É do abandono e da fragilidade que se alimentam os atores de Entardecer; contudo também se alimentam da força, da resistência e da insistência que Nino [Eduardo Campos], Maria [Clarice Siewert] e Uber [Andréia Malena] buscam na memória-motor, memória-medular. Eles têm a tarefa de desfazer lacunas pela cura da carne [também memória]. Tenho compactuado a tese de Octavio Paz de que a poesia é um núcleo de toda arte. Entardecer é um fragmento poético sobre o envelhecimento, sobre a busca de um sentido para estar no mundo e sobre o nosso complexo convívio social. O grupo trabalha a partir do conceito de mímesis [Platão/Aristóteles] e consegue atravessar o espelho sem grandes dificuldades. Duchamp disse que quando sabemos na verdade não sabemos, cremos. Os atores da companhia Dionisos estão imersos no universo que recriam. Sabem e acreditam no que estão fazendo. As histórias narradas em cena foram absorvidas e pesquisadas do “mundo real”. É no fragmento [Maria], na invenção do real [Nino] ou na crença do real [Uber] que navega este Entardecer. Há, evidentemente, alguns aspectos técnicos que o grupo precisa levar em consideração: ritmo-tempo do espetáculo, dicção dos atores e a busca de um elemento que dê mais organicidade ao mundo fragmentado das três vidas levadas ao palco. Contudo o espetáculo nos adentra pela teatralidade alcançada por cada personagem, pela sutileza, pela arquitetura poética, pela beleza plástica, pelo excelente trabalho dos atores e pelo trabalho de direção. Lembra-nos das palavras de Walter Benjamin: “o narrador conta o que ele extrai da experiência – sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história.” Portanto somos todos um pouco Nina, um pouco Maria, um pouco Uber ou todos ao mesmo tempo desenhados em nossos abandonos.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Manuel Álvarez Bravo, 1920



Eu escrevo o dia inteiro, cá fora, junto ao pequeno pavilhão de estilo oriental e sob a árvore daquela frase; árvore que finca raízes no calcário friável composto de sílica e argila. Não esfrego serpente nem ostra na cara. Não falo grego e siríaco, mas o silêncio escuta o movimento hierático de minha clara língua. Eu, K., a caminho da ilha de Creta, extravio luz no vão de cercas. A caminho da nuvem, eu, morador de Villa da Concha, me’n vaig arran de l’aigua i recullo – vou rente à água e recolho – grãos de música para os dias frios e desesperados. Nos cactos, nos vinhedos e nas paredes pintadas a cal perpassam manadas de sombra. Por aqui o olho das velhas loucas até parece um lugar de siri. Escrevo: “O Jarro Sereno --- no jardim de Quf --- sonha que não cessam os oráculos. E o que poderiam revelar os oráculos?” O Deus tenta uma resposta: “Os oráculos revelam que é necessário esgrimir contra a monotonia para que o texto do Jarro Sereno – lumen naturae – nos alcance”. Eu, K., no horto, certo dia, mergulhei a cabeça oca na pipa d’água --- ia morrer afogado, o Jarro Sereno me puxou da pipa d’água”. Escrevo, depois do susto, algumas letras nupciais: “Lucana, o que eu desejo pra ti é que chovam capinzais e a Cassiopéia na tua frase. Chovam brasas no teu gelo e que os esguichos do unicórnio ágüem os cajueiros do quintal, ágüem o meu amor e a tua concha – que a água-perfumada lave teus ossos até que reste apenas essa caixinha de música e a música é tudo, bem sabes. De branca espuma coroada a onda, de barcas o mar de sal grosso, de Vazio coroado o ar e de água pura a fronte, enquanto a brisa zaranza da turmalina ao matadouro, das altas árvores à torre da pequena igreja do Carmo, dos cílios aos capinzais, a brisa por tudo passa e serenamente entra pela janela e no quarto se acalma. E que te cale a chuva no Jardim de Pedra. Durma até, durma Lucana, que eu te ressuscito com carícias na nuca. E, ao adormeceres comigo, sem que me toques, possa a árvore branca das cantatas de Bach oxigenar a tua pura fonte no pedrento, meu amor, meu labirinto de relva”. Escuto um pouco o riscado vinil de Chet Baker. Leio, antes da pequena refeição noturna, este versículo de Manoel de Barros: “Eu ouço a fonte dos tontos. Quem ouve a fonte dos tontos não cabe mais dentro dele”. Ontem sonhei que eu caía na cisterna abobadada de Bahr El Khabeer para escutar mel nas ostras, para escutar a fonte dos tontos, para escutar o sumo solar. Consultava o relógio da corrente: quadrado branco de fino vidro. Na cisterna havia orgias de latim e eu era virgem de mulheres. Meus olhos cobertos por vidros fumados, de aros muito grossos e talvez prateados. A cisterna mormacenta sufocava, enquanto eu rememorava os vaticínios daquela noite de runas: eu só poderia clarear o inverno sombrio, se eu mesmo fosse o inverno sombrio ou esse trecho de pedra fria que me serve de cama. O mal há, é sombra que enfraquece. O real é uma alta árvore no ouvido, o “em-constelação”. Folheio Eça: “Onde não há água, não está Deus. Chão de greda é condado do demônio”. O baal zebuh não há. Existe é o céu humano. Um cristal ou uma enguia me muda.


Fernando José Karl

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Conceito 1

TEATRALIDADE

"O que é teatralidade? É teatro menos o texto, é uma densidade de signos e de sensações que se constroi em cena a partir do argumento escrito."

(Roland Barthes in Ensaios Críticos)

Festival Catarinense de Teatro

por marco vasques

O SILÊNCIO, UM METÓDO DE FALA

Teatro é ato único. Teatro é devir. O teatro apresenta sempre um resultado único [Artaud]. Por isso Peter Brook afirma que teatro é vida. A vida é devir; constante transformação. Ainda que tentemos pasteurizar os dias. Ainda que tentemos coisificar o mundo, elaborar nossas crueldades mais e mais e embrutecer os sentidos. Sempre haverá uma fratura, um fragmento ou um deslocamento para provocar a reabertura do sentido. O Festival Catarinense de Teatro começou ontem, aqui na cidade de Brusque, com o espetáculo Agreste da companhia Cia Razões Inversas de São Paulo. Um espetáculo que usa o silêncio como método de fala, como ato de agressão. Fique claro que o termo agressão aqui é usado como sinônimo de fogueira no sentido, espanto [Aristóteles] e a abertura de uma clareira [Heidegger] no meio de cada espectador. Agreste é a história de um casal que foge à procura de uma morada. Abrigam-se no árido, isto é, numa comunidade onde impera a seca [geográfica e humana]. Após 30 anos de casamento o inexorável, o inevitável acontece: a morte leva Etevaldo. Sua esposa a partir daí sofrerá uma série de abusos cometidos por uma sociedade intolerante, hipócrita e brutal. Etevaldo, seu esposo, é uma mulher [Diadorim às avessas]. Mais Agreste é muito mais. Agreste é carnação da palavra. Um poema orquestrado pela epiderme. Uma elegia moderna. Sal na saliva. Sol na retina. Teatralidade-vida. Agreste, escrito por Newton Moreno, é o mundo. Agreste dialoga com Guimarães Rosa [Grande Sertão: Veredas], Graciliano Ramos [Vidas Secas] e João Cabral de Melo Neto [Morte e Vida Severina]. Dialoga, também, com o dia-a-dia dos centros urbanos. Mas é preciso dizer que o diálogo é feito pela via da originalidade, pela construção autônoma de forte pulsão poética. Agreste tem poesia na palavra, no movimento, na luz, na música, nas interpretações dos atores e no silêncio. É um espetáculo que arrebata. Interpretado por João Carlos Andreazza e Paulo Marcelo e com direção de Marcio Aurélio o espetáculo nos diz que agreste é a existência, o sal de estar em si sendo outro. O trabalho está contextualizado num ambiente de seca, mas é de todas as securas, de todas as arrogâncias, de todas as intolerâncias e todo o cinismo de nossa sinistra civilização que ele fala. É neste ambiente de seca [criado pelo cenário e pela iluminação] que aparece a metáfora do esvaziamento da cor. É universal na sua regionalidade [Tostoi]. Agreste é uma bofetada nos amorfos de sentido, nos atrofiados e nos que insistem em erigir um mundo de atrofias e preconceitos. Sobretudo quando os atores saem da narração, do apresentar a fábula, do prólogo inicial para a ação dramática propriamente dita. É aí que a teatralidade aparece por inteira com seu tempo e ritmo próprios. Heidegger disse que o homem mora na linguagem. Agreste é pura linguagem. Partitura poética urdida pela arte teatral. Espetáculo que alegra a minha arte de ser espectador.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ver 12 feras do humor.

Os textos embaixo dos cartuns
são todos de autoria
de Fernando José Karl.



Putz, foi mal, matei a morte!



E não é que a cabeça caiu justo no bolo he he he





Pimenta no olho do outro é refresco.



A vida é curta:
curta a vida.



Não tenha medo. Não tenha medo, não. É só uma bola inofensiva.




Minha sogra, aquela cobra, até que é boa. Ruim é o raio que não acerta ela.



Querido, não vá se irritar com minha pergunta, mas porque tanta gente girando?
Ora querida, pra dar energia ao ventilador. Tá muito calor hoje!




Picasso com o olho abibolhado.



Silêncio, que vai começar o Concerto Internacional em Prol da Paz Mundial.



Hitler conversando com o próprio Hitler numa esquina de Berlim:
Não fique de mau-humor, mein Führer, num dia de chuva assim não vai aparecer ninguém pra gente cortar a cabeça.



Pelo menos vamos ver se, nesta Arca de Noé, a gente salva as igrejas.


Alessandro Gatto



Pra viver nesta cidade só dando com o gato morto no louco até o gato miar.

PANORAMA JARAGUÁ: LITERATURA

Cristiano Moreira e Marco Vasques na abertura do PANORAMA JARAGUÁ: LITERATURA que aconteceu no último final de semana. O tema da discussão foi O QUE É POESIA?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Festival Internacional de Teatro de Objetos 10



POR MARCO VASQUES
HISTÓRIA DE MEIA SOLA


O ator Fernán Cardama é capaz de fazer uma pedra chorar. Ele é capaz de muito mais. Muito! É capaz de fazer uma plateia inteira acreditar que a pedra chora. Talvez seja capaz mesmo de fazer com que alguns espectadores chorem com a pedra. Afeito ao feitiço e à magia o ator argentino foi um dos destaques do Festival Internacional de Teatro de Objetos. Manipulador ciente de sua arte e ator preciso no jogo que estabelece entre sua presença e a presença viva [presença-vida] dos objetos que manipula. Ele não se sobrepõe aos objetos. Pelo contrário: vive a cena por e para os objetos. E leva o público do riso solto e leve a reflexão séria e profunda. Na última noite do Festival Internacional de Teatro de Objetos, nesta segunda-feira, ele conduziu o espetáculo Histórias de Meia Sola com mais uma atuação memorável. O sapateiro Aquiles Petruchelli, de sua sapataria, exibe ao público uma variedade de sapatos: pequenos, grandes, valentes, apaixonados, otimistas, solidários, de histórias infantis, solitários, suicidas. Enfim, como os humanos, os sapatos são desiguais e cada sapato tem o seu cheiro, a sua música, a sua dor, o seu desejo, a sua profissão, a sua luta e a sua história. Aquiles Petruchelli crê em seus sapatos e compartilha sua crença com todos. Uma das cenas de pura teatralidade do espetáculo é a metáfora criada para falar da ditadura argentina (1976-1983). O lobo come chapeuzinho e há uma assembleia pública [metáfora evidente das mães da Praça de Maio] para reivindicar o reaparecimento da menina. Um momento de rara poesia e imensa teatralidade. Nunca mais olharei para os meus sapatos sem lembrar da arte de Fernán Cardama que faz de cada espetáculo seu uma sucessão de grandes poemas: odes, elegias, haicais urbanos e, até mesmo, épicos. É uma sinfonia de poesia a arte deste argentino.

Festival Internacional de Teatro de Objetos 9


POR MARCO VASQUES

OBJETO DE FÁBULA

O espetáculo Objeto de Fábula, da companhia italiana La Voce delle Cose, apresentado neste último dia do Festival Internacional de Teatros de Objetos, é mais uma contação de histórias que propriamente uma carnação dos objetos. As histórias contadas são a da criação do mundo a partir de duas possibilidades: a teoria do Big Bang e a teoria divina. Depois o ator passa pelas narrativas infantis dos Três Porquinhos, da Cinderela e, finalmente, a de Chapeuzinho Vermelho. O ator tenta envolver o público ilustrando sua narração com objetos construídos, em sua maioria, com sobras recuperadas do dia-a-dia (tubos de plástico, bonecas, bacias, parafusos, regadores, esponjas, embalagens de alimentos). Ainda que se justifique a tentativa de reaproveitar tais objetos e que se busque dar novos sentidos a eles o ator Luì Angelini não consegue fazer com que o público acredite na sua manipulação. O que resulta num espetáculo frio, sem energia e de pouco refinamento estético. É sabido que a companhia goza de respaldo internacional pelas suas experiências com o teatro de animação, contudo, o espetáculo Objeto de Fábula consiste numa fábula sem objeto porque a carnação dos objetos não acontece e não se consegue extrair um respiro, uma centelha, uma ação própria que faça os objetos manipulados reverberar no público.

Festival Internacional de Teatro de Objetos 8

POR MARCO VASQUES

GUARDA ZOOL – UM EXEMPLO DE NÃO-TEATRO

A maratona de espetáculos continua. Hoje é o último dia para se conferir o Festival Internacional de Teatro de Objetos. E o leitor precisa tomar cuidado com as armadilhas dos festivais. Sim! Os festivais são assim mesmo: muita coisa boa, um outro tanto de espetáculos bem elaborados e, como não poderia faltar, alguns espetáculos desorbitados, ruins e fora de contexto. Guarda Zool é o patinho feio do evento. É o patinho feio porque é um teatro de superfície e apresenta o exercício da mesmice. Não se consegue entender como a curadoria selecionou o espetáculo da companhia paulista Teatro das Coisas. São vários os motivos para que ele não fosse selecionado. Contudo, o principal é que Guarda Zool não é um espetáculo de Teatro de Objetos, portanto, não faz sentido estar num festival de Teatro de Objetos. O ator no Teatro de Objetos tem que emprestar a alma [anima] ao objeto. O ator é transmissor da ação. É o objeto que é levado ao status de personagem. Ele é o eixo-motor da ação dramática, do enredo, da fábula ou da alegoria. Em Guarda Zool não há fabulação dos objetos. Manipulação e objetos ficam em segundo plano para que os atores se exibam numa linguagem televisiva e cheia de clichês. Imperam o humor fácil, as brincadeiras ingênuas e a ausência de um tecido poético. A dramaturgia é confusa como festa de criança. Há uma tentativa de dialogar com imagens já universalizadas no in/consciente do público como as famosas cenas de Cantando na Chuva e Tubarão. Há também a referência aos clássicos infantis Chapeuzinho Vermelho e Os Três Porquinhos, mas a tentativa das metáforas esbarra na falta de criatividade e a manipulação (baldes, toalhas e guarda-sol) é apagada pelo excesso de exibicionismo dos atores Cláudio Saltini e Riniere Guerra. O único momento em que a manipulação aparece com vida [anima] é na paródia ao filme Cantando na Chuva, porque em todas as outras tentativas a pseudo-manipulação deixa os objetos tão amorfos quanto sua natureza. Para não ficarmos no campo da abstração é bom dizer que a peça Grande Zool conta a história de dois amigos atrapalhados interpretados pelos atores Cláudio Saltini e Riniere Guerra. Ao chegarem à praia passam por uma série de situações (cair da cadeira, um roubar a cadeira do outro, um jogar água no outro, um molhar o outro) encenadas de maneira pueris. O trabalho dos atores lembra, em alguns momentos, o pastelão dos palhaços de circo, mas sem a ingenuidade, a ternura e a verdade inerente aos palhaços de circo. Se o leitor passar pela Universidade Federal de Santa Catarina, neste feriado, poderá assistir Zebra, 20 Minutos Sob o Mar e Entre Dilúvios [fotos abaixo], porque ninguém sai de casa para ver pobreza de linguagem, interpretações exageradas de atores exibicionistas, ausência de dramaturgia, um amontoado de clichês e tomar banho numa guerrinha tosca de água promovida pelos personagens-atores de Grande Zool; pequeno voo.

Livro de retratos editado pelos poetas Antonio Carlos Floriano e Cristiano Moreira, festeja o aniversário de Itajaí.




Como parte dos festejos do sesquicentenário de Itajaí, acontecerá dia 11 de novembro às 20 horas, na Sociedade Guarani, o lançamento do livro RETRATOS – Itajaí 150 anos de autoria dos poetas Antonio Carlos Floriano e Cristiano Moreira e dos fotógrafos Marcos Porto e Ronaldo Silva Jr. O projeto é uma iniciativa da Freguesia Produção Cultural e editado pela Papa Terra Editora.
O livro de fotografias reúne 110 retratos de itajaienses que ajudam ou ajudaram a construir de alguma maneira a história e o cotidiano da cidade, nos mais variados seguimentos da sociedade. Para escolher os fotografados, o critério foi o mais simples possível: ser morador de Itajaí. Duas pessoas das 110 fotografadas, Valdir João da Silva e Margareth Pires Pereira, faleceram durante o processo de edição do livro e são homenageados in memoriam.
A proposta de fazer um livro de RETRATOS, segundo os autores no prefácio do livro, é tentar responder as seguintes perguntas: “Do que é feita uma cidade? De qual matéria é tecida sua existência, seu progresso e sua história senão da vida, dos novelos dos desejos e experiências de seus habitantes? Como retratar uma cidade aos cento e cinqüenta anos?”. Para estas questões a resposta é mostrar que uma cidade é feita em primeiro lugar de pessoas e que cada rosto conta uma parte importante da história de uma cidade.
O livro reúne a diversidade, a beleza e a alegria do povo de Itajaí. Uma cidade que, por sua geografia e importância econômica no estado, possui um povo acostumado ao trânsito de pessoas, e culturas, uma cidade rica e acolhedora. Mostrar o rosto desta cidade presta-se como um agradecimento e uma homenagem às pessoas que trabalharam e continuam trabalhando para esta construção.
Retratos – Itajaí 150 anos, Editora Papa Terra, 144 páginas, 2010.

Festival Internacional de Teatro de Objetos 7





Espetáculo francês 20 Minutos Sob o Mar da companhia Théâtre de Cuisine.

Fotos Marco Vasques

Festival Internacional de Teatro de Objetos 6




Espetáculo israelense Zebra da Cia. Meital Raz.
Fotos Marco Vasques

Festival Internacional de Teatro de Objetos 5




Espetáculo espanhol Entre Dilúvios da companhia La Chana Teatro.
Fotos Marco Vasques

domingo, 14 de novembro de 2010

Festival Internacional de Teatro de Objetos 4

FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE OBJETOS
POR MARCO VASQUES

Poesia é privilégio da vida. Poesia é privilégio da razão que cambia a perturbação humana, a fratura, o deslocamento, o impacto de estar no mundo, o fantasma, a abertura de sentindo, a criação de sentido, o silêncio e rumor. A poesia é a própria vida. E é a vida, ou melhor, a reanimação do objeto pela vida que permeia o Festival Internacional de Teatro de Objetos, que acontece na Universidade Federal de Santa Catarina até amanhã. O Dicionário do Teatro Brasileiro define o conceito de Teatro de Objetos: “é um teatro em que os protagonistas são os objetos tomados do cotidiano, sejam eles artesanais, industriais ou naturais, isto é, sem interferência formal em suas partes”. É mais que isso. É antropomorfização (atribuir a objetos inanimados a anima humana) dos objetos. No Teatro do Objeto é necessário muito mais que objetos e bons atores. É necessário que a plateia acredite. Que mergulhe na fabulação, na alegoria. Os espetáculos A Criação, Volta ao Mundo em 80 dias e Pequenos Suicídios nos levam à magia da crença, no levam ao encontro da poética dos objetos-iluminações. É pela poética, pelo ritmo da manipulação dos objetos e pela construção de imagens absurdamente transbordada de energia, tensão, silêncio, ternura e agressão que estes espetáculos nos afetam. O poeta Novalis já alertou que a poesia é “a religião original da humanidade”. Portanto, quem quiser viver um impacto poético (poesia de impacto) e experimentar o deslocamento/sabor tem até segunda-feira para assistir aos espetáculos, todo gratuitos, no Festival Internacional de Teatro de Objetos.

A CRIAÇÃO
O espetáculo A Criação é uma elegia moderna. Um coro de imagens que cantam no coração do espectador as mais cruas e bárbaras ações que o humano é capaz de executar contra seu semelhante. Não é por acaso que o ator Onofre, em uma de suas falas disse: “cabe a nós, atores de La Balestra, rir dos costumes na terra e falar sobre a estupidez e a grandeza da humanidade.” O grupo consegue fazer com que o público possa fazer múltiplas leituras do espetáculo, cria uma espécie de camadas/acessos. A guerra entre os palitos de fósforos ganha inúmeras dimensões. Para criança, ainda protegida das agruras do cotidiano, o confronto não passa de mais uma guerrinha, mais uma brincadeira de soldadinhos de chumbo. Para os adultos o choque do genocídio, a consciência de nossas sujeiras apresentadas cruamente. A Criação é abandono. É estar aí. É conviver com todas as impurezas que geramos contra nosso mundo. É, também, sarcasmo puro. Humor negro. Divertimento e bofetada. Um espetáculo perturbador e alegre ao mesmo tempo. Contraditório como cada linha da palma de nossas mãos. Varia entre a ternura de um flerte e o absurdo de uma guerra. Vai do expressionismo ao realismo imersos na atmosfera gótica. Um canto para incendiar os olhos e permanecer na memória.

VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS

O espetáculo Volta a Mundo em 80 Dias é baseado no romance homônimo do escritor francês Júlio Verne (1828/1905) que narra a história de Phileas Fogg, um cavalheiro britânico, que aposta com um grupo de amigos que fará a volta ao mundo em oitenta dias. Fogg e seu criado Passepartout, um malandro escolado, partem mundo a fora. O ator argentino Fernán Cardama manipula inúmeros brinquedos (barcos, trem, bonecos) enquanto narra a passagem de Fogg e Passepartout pelos continentes revelando suas crenças, características e culturas. O espetáculo tem uma variação entre o cômico e o lírico. É uma boa dica para este sábado: entrar na nave de Fernán Cardama e mergulhar na fantasia deste clássico da literatura infanto-juvenil. Como já afirmei, no início destas meditações, Volta ao Mundo em 80 dias nos pega pela meditação poética da condição humana, pelo ritmo das manipulações, pelas imagens-mundos, pela urdidura de atmosfera de encantamento que o ator sabe, muito acuradamente, tranpor para os objetos em cena.

PEQUENOS SUICÍDIOS

O amor, a solidão, o abandono, a morte e o tempo são as temáticas que permeiam o espetáculo Pequenos Suicídios. Estamos na verdade diante de um arauto da delicadeza. O ator Carles Cañellas é um mensageiro da delicadeza. Seu espetáculo é uma adaptação da montagem original de Gyula Molnár, que para os especialistas se trata da primeira montagem de Teatro de Objetos. O trabalho está dividido em três atos. Dois suicídios declarados e um genocídio anunciado. No primeiro ato um comprimido, brilhantemente animado, tenta se aproximar de um grupo de balas. O comprimido chega mesmo a abandonar sua natureza e vestir a “roupagem” das balas, contudo as diferenças são evidentes. Ao ser hostilizado pelo grupo de balas ele comete suicídio se jogando dentro de um copo de água [ao executar esta cena Cañellas nos faz lembrar das melhores cenas com objetos de Buster Keaton e de Chaplin] . No segundo ato o suicídio ocorre por conta de um amor não concretizado entre um fósforo e um grão de café. Ao perder seu amor o fósforo se consome em chamas por não suportar a ausência de sua amada. O terceiro ato é uma reflexão sobre a passagem inexorável do tempo que traz a metáfora incômoda de nossa transitoriedade, de nossa condição de passageiros no mundo e dos genocídios constantes tramado pelo tempo. As manipulações dos objetos, a iluminação, a música e a atuação de Carles Cañellas faz com que o público se afogue com o comprimido, queime com o fósforo e reflita sobre a nossa condição de meros hóspedes no mundo. Um espetáculo brilhante. Um espetáculo para ser aplaudindo com a alma.
FOTOS DOS ESPETÁCULOS ABAIXO

Festival Internacional de Teatro de Objetos 3




O espetáculo espanhol Pequano Suicídios da companhia Rocamara.
Fotos Marco Vasques

Festival Internacional de Teatro de Objetos 2




O espetáculo argentino Volta ao Mundo em 80 Dias da companhia Fernán Cardama.
Fotos Marco Vasques

Festival Internacional de Teatro de Objetos




O espetáculo francês A Criação da companhia La Balestra.
Fotos Marco Vasques.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Lançamento de Livro de Fotografias dos singulares em Itajaí

NOVO LIVRO DO SINGULAR VALDEMIR KLAMT




Ruffus gostava de vender laranja
e achava a maior novidade livros de geografia.
E tinha uma bicicleta. Ruffus só andava de bicicleta.
A bicicleta de Ruffus tinha bomba para encher os pneus.
Ele parava a cada cinco quilômetros para esvaziá-los
e enchê-los novamente.
Era tão repetitivo isso que todos quiseram saber o motivo.
Afinal, a bicicleta era boa e os pneus nunca vazavam ar.
Ruffus, com toda disposição em sua voz fanha, respondeu:
? É pra renovar o vento, que vento velho
dentro dos pneus faz mal à bicicleta.









[Fragmento do livro Espantosa História de Ruffus do SINGULAR Valdemir Klamt que será lançando em breve pela editora Lábias ideias & edições do SINGULARÍSSIMO Dennis Radünz. O livro é uma obra de arte. Um trabalho de gigantes! Que venha o lançamento! Enquanto isso o leitor pode conferir um pouco do trabalho aqui no blog!]

Ver a exposição

O elixir das linhas

18 grafismos

de Fernando José Karl

no blog Nautikkon:

www.nautikkon.blogspot.com

Dica: pra ver melhor clique na figura.