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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

UMA CRÔNICA DE RUBENS DA CUNHA

ESTÃO QUASE TODOS MORTOS
No começo dos anos 80, a Telesp lançou uma campanha de conscientização sobre o vandalismo com os orelhões em São Paulo. O comercial se tornou um clássico ao expor a morte de um orelhão em frente a dezenas de pessoas abismadas. Pois bem, 30 anos depois, os orelhões nas cidades são, em sua grande maioria, cadáveres da tecnologia. Estão lá apenas para atrapalhar os deficientes visuais e enganar os incautos que ainda acham que vão encontrar um funcionando. Este ano, ocorreram algumas situações em que precisei de um orelhão. Sou um crônico esquecedor de celular (sem falar da falta de crédito). Precisei usar orelhões. Em Florianópolis, todos os orelhões no entorno da UFSC não funcionam, estão mortinhos da silva, acredito que no resto da cidade também. A outra vez foi em São Bento do Sul, cidade pequena, organizada, “claro que os orelhões estarão em ordem e eu poderei usá-los sem medo”, pensei, ainda cheio de ilusões. A minha ilusão foi se gastando da primeira à sexta tentativa. Tive que desistir no sétimo orelhão que não funcionou. Deixei o destino agir sem que eu pudesse dar a notícia que precisava. Teria uma boa desculpa, apesar da falta de testemunhas, mas acredito que seria fácil provar, bastaria ir a São Bento de novo, refazer a saga dos orelhões, que, provavelmente, continuariam mortos sobre as calçadas. Depois, em Joinville, onde praticamente todos os orelhões do Centro estão mortos. A mesma agonia, nenhum funcionou, e lá fui eu, atravessar a cidade para pegar meu celular e poder ligar. Em junho deste ano, o jornal “A Notícia” testou 71 orelhões no Centro, 61 não funcionaram. É bem provável que os dez vivos em junho, tenham também ido para o céu dos orelhões. A julgar pela mostra, e por uma pesquisa na internet, em todos os lugares está assim. O pior é o suspense que se cria: você avista o orelhão, já que por fora eles estão apresentáveis (pois agora servem mais de outdoor do que de telefone), chega e olha embaixo: se ele não apresentar sinais de estragos visíveis, você tira o telefone do gancho, põe no ouvido, cadê a linha? É morta também; ou tem linha mas não aceita o cartão, ou tem linha, aceita o cartão, mas não completa a ligação. Enfim, algo muito sinistro acontece debaixo dos orelhões: um mundo de silêncio, de destruição, de completa falta de comunicação. Tá bom! Estou exagerando um pouco, acontece mesmo só a raiva de quem precisa desse serviço e ele não está disponível. Então eu pergunto: se quase ninguém mais usa, por que deixá-los feios, inúteis e mortos, pelas ruas? Por que dar esperança àqueles poucos que ainda estão presos a um tempo em que orelhões funcionavam, serviam às urgências, enfim, eram bens públicos em bom estado de conservação, sempre infalíveis? Por que permitir que os orelhões não funcionem, mas sejam espaço de publicidade para um empresa privada? Não seria esta empresa responsável pela manutenção? Para quem ela paga pelo espaço publicitário? Para quem eu tenho que ligar (do meu celular) para tentar resolver a situação dos orelhões?

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