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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

POEMAS DE NICOLÁS GUILLÉN

FOME

Esta é a fome. Um animal
todo olho e caninos.
Nada o engana ou distrai.
Nunca se farta à mesa.
Não se contenta
com um almoço ou jantar.
Anuncia sempre sangue.
Ruge como leão, agarra como giboia,
pensa como pessoa.

O exemplar que aqui se mostra
foi caçado na Índia (subúrbios de Bombaim),
todavia existe em estado mais ou menos selvagem
em muitas outra partes.

Não se aproxime.


SONHO

Esta borboleta nocturna
flana sobre nossa cabeça
como um abutre sobre a carcassa.
(O exemplar
que aqui mostramos é o sonho vulgar).

Sem dúvida,
a direção promete para o fim do ano,
ou talvez antes,
remessas escolhidas de sonhos
quer de homem quer de mulher.

Cinco caixas de moscas tsé-tsé
foram encomendadas anteontem.


BOMBA ATÔMICA

Esta é a bomba. Vejam-na bem.
Repouca dormitando. Por favor
não a provoquem
com paus, cajados, ferrões,
pedras. É proibido
deitar-lhe alimentos.
Cuidado com as mãos,
com os olhos!

A Direcão

já o disse e avisou
todavia ninguém fez caso,
nem sequer o Ministro.

É um perigo bárbaro
este animal aqui.


[Estes poemas estão no livro O GRANDE ZOO (1968). Um livro de choque. Costumo dizer que há uma literatura de impacto e uma literatura dócil. Nicolás Guillén (1902-1989), poeta cubano que tramou em sua linguagem o impacto em todas esferas é o tipo de poeta que incomoda pelo que revela e pelo que oculta. Divirtam-se com as ironias e porradas dele!]

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