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segunda-feira, 1 de outubro de 2012


VALENTINO, O INCLEMENTE

POR MARCO VASQUES

Publicada no jornal Notícias do Dia [01/10/2012]

Valentino é negro, carioca, torce para o Flamengo e tem no olhar aquele jeito malandro de sambista que sabe quando o pandeiro está para batucada e, sobretudo, quando o berimbau desafina. É preciso dizer, antes de tudo, que Valentino não é chegado em ostra, ou seja, ele não come mesmo o crustáceo que abunda pelas bandas do Ribeirão da Ilha e Santo Antônio de Lisboa. Mais sortudo que urubu em dia de festa no matadouro, costuma se dar bem com as mulheres. É alto, inteligente e bonito. Não poderia dar em outra coisa. É colocar a camisa do Flamengo, uma roupinha mais ou menos e sentar sob o sol de Santo Antônio de Lisboa, que é batata. Sempre aparece uma marisqueira com desejos suspeitos.
Suspeitíssimo foi o desinteresse dele por Maria dos Prazeres. Ele fotografava o horizonte quando ela apareceu, verticalíssima. Chegou exuberante, perfumada e pediu ao Valentino uma opinião sobre suas medidas: a cor do cabelo, enfim, queria era mostrar o quanto o desconcertado homem, que já olhava para os amigos com aquela cara de parafuso sem furadeira, estava perdendo. Resumindo, ela estava mostrando o material e disparou artilharia pesada sobre os olhos do negão. Meio sem jeito e sem saber o que dizer, voltou para mesa. Ao ser indagado sobre o motivo da moleza e do desinteresse por tanta fartura, ficou em silêncio.
Em seu íntimo, sabia que o berimbau desafinara. Quando instrumento de apenas duas notas desanda, a coisa sobe ou desce. O negócio agora era suportar as piadas dos amigos, que não perdoaram sua inclemência com a moça. Não satisfeita com a recusa (mulher quando coloca algo na cabeça, não tem jeito), comeu uma dúzia de ostras ao bafo, empinou os já agudos seios, balançou a cabeleira longa e negra, pegou uma garrafa de água, meio que avisando que sua especialidade era apagar incêndio, fogo, fogueira e toda sorte de centelha masculina e se dirigiu à mesa do inclemente Valentino.
Na primeira palavra já colocou todos no riso. Constantino, pode abrir a garrafa de água para mim? Olha a minha mão, está toda vermelha de tanto fazer força! Ele, vendo os amigos na maior gozação, tratou de abrir logo a água e mergulhar o olhar no decote da morena. Mais algumas palavras e, de súbito, a deusa dos prazeres se esvai com o vento Sul. Valentino (agora Constantino, o inclemente) largou logo a frase: meu santo não erra, mas me coloca em cada situação. A moça, ignorada mais uma vez, tratou logo de tirar o time de campo para jogar, titularíssima, em outra área. Com Valentino a bola bateu na trave; com o novo ataque, agarrou bola, trave e... chuva na rede.

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