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segunda-feira, 5 de março de 2012

AS CISMAS DE DONA LINDOMAR


POR MARCO VASQUES


Que há muito os homens vêm tratando as mulheres como objeto é fato, um fato lamentável e evidente. Os tempos mudaram e as mulheres também tratam os homens como objeto, o que não é tão lamentável assim, dizem alguns estudiosos. Aliás, existem pesquisas que apontam que os homens nunca deixaram e nem deixarão de ser objeto nas mãos das incautas. E aquela história de que o feitiço virou contra o feiticeiro, nesse caso, é absolutamente verdadeiro. E coloca feitiço nisso. Tem feitiço que vale um batalhão de feiticeiros. E a coisa vai andando assim. Vamos rolando de corpo em corpo adentrando a carne, mas nunca os silêncios intumescidos de grito. Mas como diz Dona Lindomar, esse negócio de “adentrar silêncios” não é coisa de macho.

E a velhinha, no auge dos seus setenta anos, perguntou para Flavinha, uma de suas netas, residente de Bundópolis, a capital de Bruzundangas: por que as mulheres vivem mostrando os seus seios e as suas bundas em tudo o que é propaganda? Não existe lugar em que os olhos não se deparem com uma bunda, um seio. A pergunta, segundo relato da própria Dona Lindomar, não tem nenhum tom moralista. Muito pelo contrário, o que abunda não prejudica!

O que intriga Dona Lindomar é a não distinção entre as bundas e os seios filmados e fotografados. Porque, para ela, de um jeito ou de outro, as mulheres acabam expondo tudo. Não tem jeito. Agora, essa coisa de os produtos e os cenários mudarem e o corpo de Eva ser sempre o mesmo, isso é coisa para algum doutorando de Bruzundangas. A estética é muito repetitiva, afirma Dona Lindomar, pois é sempre a mesma coisa: seios fartos, mulher branca, jovem e bem fornida. Só no carnaval as mulatas brilham, mas passada uma semana, tudo volta ao de antes.

E Dona Lindomar, indômita, continua a instigar a neta. Flavinha, será que o negócio não estava invertido? Como se estipulou que o produto nacional é a mulher, mas propriamente a bunda da mulher, todo mundo usa o refrigerante, a cerveja, a moto, o carro, a bicicleta, o creme de cabelo, o detergente, as bolachas e os chocolates como figurantes para o corpo feminino? Nós estamos à venda, Flavinha? E ainda ganhamos dinheiro no anúncio de nossa própria beleza? É isso ou eu estou sonhando? Na verdade o produto somos nós? Toda a indústria está voltada para nós, Flavinha. Nós estamos em evidência, somos a bola da vez minha neta!

Nesse exato instante Dona Lindomar olha para si, rumina sua decrepitude de setenta primaveras, olha para o porte esquálido da neta Flavinha e arremata: não Flavinha, o produto são elas. Nem produto somos.

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