quinta-feira, 28 de abril de 2011
Novelha cozinha poética
Adicione uma posta de Paul Celan
Limpe antes os laivos de forno crematório
Até torná-la magra-enigmática
Cozinhe em banho-maria
Fogo bem baixo
E depois leve ao Departamento de Letras
Para o douto Professor dourar.
WALY SALOMÃO
terça-feira, 26 de abril de 2011
A solidão - Esse Cão de Guarda - Crônica de Rubens da Cunha
O que fazer quando a noite se instala e a solidão também não arreda o pé? Mais: não arreda o corpo todo. A solidão é um cão de guarda nessas noites de outono. Às vezes, eu queria ser aquele sujeito que envenena os animais da vizinhança. Eu queria envenenar a solidão. Dar pra ela um pedaço de linguiça cheio de chumbinho, de veneno de rato bem concentrado, bem amarrado na praga também, que é para garantir. Eu queria ver o corpo da solidão estrebuchar, os tremores acontecerem, os olhos murcharem e ela morrer, bem silenciosa, bem frágil, na minha porta. Isso eu queria, mas não sou o vizinho maldoso, sou o dono da solidão, tenho por ela cuidados de pai. Está comigo a tanto tempo que nem sei. Desde o tempo em que tinha a forma de cachorro e se chamava Tege, lá nos dentros de Araquari. Ser cachorro foi a primeira forma da solidão que me acompanha. Depois ela foi mudando. Foi uma monareta. Depois foi o ônibus da empresa Guaratuba. Esse ônibus eu pegava na BR-101 para ir estudar contabilidade. A solidão ajudava-me nos fechamentos dos balancetes de mentirinha, depois vinha caminhando comigo até o ponto. Ela também não entendia porque eu nunca conseguia fechar o balanço contábil na primeira tentativa, vai ver era porque eu lia “A Paixão Segundo GH” entre um lançamento e outro. A solidão lia comigo também, e me dizia “o inferno é meu máximo”, “eu quero o que eu te amo”. A solidão é fiel, mais até que a tristeza. Acompanhou-me no primeiro emprego. Eu quase em Pirabeiraba, mais balanços, mais fechamentos, mais acompanhamentos de produção, mais burocracia e a solidão ali, ora me ajudando a contar peças, ora recitando um verso muito simples e terno de Cora Coralina. Depois a solidão me levou a outro emprego e a uma faculdade. A solidão entendia tudo de comércio exterior, tentou me explicar, mas eu nada sabia dos trâmites marítimos, aéreos e terrestres das mercadorias. Eu não sabia o que a solidão me falava, mas eu ouvia e ouvia, porque entre uma regra do direito internacional e uma noção de economia, a solidão me dizia uns livros, umas canções que eu guardava e colecionava e devorava. Mais outro emprego, caminhões, fretes, chegadas e partidas e eu cada vez mais enraizado, cada vez mais dentro de mim gritando por alguma mudança. Como eu disse, a solidão é tão ou mais fiel que a tristeza, mas eu não estava mais acreditando nisso, eu estava mais era ouvindo a tristeza. A solidão, que não é boba, se transformou numa sala de aula no departamento de letras da faculdade e me fez ir lá visitá-la, me fez retornar aos tempos de aluno. Eu gostei, estou sendo aluno até hoje. Agora, a solidão está na minha porta novamente, transformada novamente em cachorro. Tem momentos que me irrita, queria tanto que ela saísse de perto de mim, que se fizesse um pouco mais à distância. Mas devo tanto à solidão, devo tanto a essa sua fidelidade canina. Ela há de me perdoar o clichê, assim como lhe perdoo a insistência em ficar comigo, mas entendo: eu sou a solidão da minha solidão.
Rubens da Cunha
segunda-feira, 25 de abril de 2011
ODAWARA
encontrei fernando no portal de odawara
lavado de vento pelos sakurás
quando chegou escondeu um riso de descrédito
afinal era seu desejo se comover
depois de tanto tempo
esperando esse hanami de abril
pouco lhe falei
afinal havia doze anos esperava o trem
para me encontrar em kioto
nos corredores sombrios do templo dourado
Antonio Carlos Floriano
domingo, 24 de abril de 2011
Poema de Cristiano Moreira
anexo uma biografia sumária
alí não estão as horas gastas
olhando o rio aqui desta janela;
nenhuma olheira das leituras
que assomam madrugadas ou
rasuras dos textos abandonados.
tampouco os encontros que estes
textos proporcionaram, felizmente.
terça-feira, 19 de abril de 2011
UMA VOZ NO VENTO
Procuro em vão uma imagem de Maria Madalena, um vaso de alabastro e bálsamo de espicanardo. Em todos os lugares possíveis não a encontro, e ninguém sabe do que é feito o alabastro, e desconhece se há bálsamo como quero em algum frasco salvo do tempo. Terei que buscar o que desejo nos Lugares Impossíveis, onde, em cantos profundos, estão os Algos de que preciso para ungir as Impossibilidades. Se lágrimas fogem de mim, não há vaso para guardá-las nem bálsamo para ungir o Escolhido. Se o tempo encolhe, estou agora no Oriente, milênios atrás, num mercado cheio de aromas, e neles encontro o meu.
Lugar Impossível, onde "uma voz no tempo resiste na noite", e eu tento me distrair para não ouvi-la.
Míriam Santini de Abreu
quinta-feira, 14 de abril de 2011
SEM TÍTULO
Aviso às borboletas:
Cuidado ao voar.
Há areia na vida,
Cacos de vidro no ar.
PATRÍCIA CLAUDINE HOFFMANN
ÁGUA
na ante-sala de gerânios,
aguardava peixes
que sonhavam oceanos.
RAMONE ABREU AMADO
quarta-feira, 13 de abril de 2011
ANÚNCIO
como uma água parada.
Toda a montanha neblinada
toda a forma irregular
todo cálido momento
de respirar a solidão.
Te venero.
Todo o pano de trás
todo o embrulho da vida
toda forma
uma vez foi tudo um presente.
É uma partida desatinada a vida
que virá amanhã?
Te anuncio.
Mesmo que deixes de pousar
mesmo que não finques raízes.
Amor é filho do inusitado
sentimento métrico dos prazeres.
Anúncio!
É a letra formando a palavra de um.
Anúncio!
um chamado por você.
RYANA GABECH
segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pensamentos
de
Henri Michaux
(1889-1984)
Ai dos que se contentam com pouco.
A fortuna mais uma vez, a fortuna com língua de óleo, tendo lavado minhas feridas, a fortuna como um cabelo que pegamos e que trançaríamos aos nossos, tendo-me pego e unido indissoluvelmente a ela, de repente quando eu já saboreava a alegria, de repente a Morte veio e disse: "É hora. Venha." A Morte para todo o sempre a Morte agora.
Aqueles que repudiaram o seu demônio importunam-nos com os seus anjos.
A aprendizagem da aranha não é para a mosca.
Se um espírito contemplativo se deita à água, não tentará nadar, procurará, primeiro, compreender a água. E afogar-se-á.
É doloroso acreditar que seja natural e conhecido de todos. Às vezes, tão profundamente engajado em mim mesmo em uma bolha única e densa que, sentado na cadeira, à dois metros da lâmpada posta sobre a mesa de trabalho, com muito custo e depois de um longo tempo que os olhos permaneceram bem abertos, chego a lançar até ela um olhar.
Pensamentos
de
Angelus Silesius
(1624-1665)
De tal modo Deus tudo ultrapassa, que nada se pode dizer: por isso melhor rezas a ele quando ficas em silêncio. Pára, aonde corres? O céu está em ti! Se procuras Deus noutro lugar, sempre mais o perdes. A mais nobre oração é quando o orante se transforma no íntimo naquele ao qual se ajoelha. Homem, se não sabes pedir graça a Deus com palavras, fica mudo diante dele: serás ouvido da mesma forma. Sem íntima comunhão com a divindade de Deus, como posso ser seu filho e ele meu pai? Meu amor e meu tudo! É o eco de Deus quando me ouve invocar: meu Deus e meu tudo! O pássaro vive no ar, a pedra no chão, na água o peixe, e meu espírito na mão de Deus. Se de Deus nasceste, Deus floresce em ti, e sua divindade é tua seiva e ornamento. Sou vasto como Deus: não há no mundo inteiro quem me mantenha (oh, maravilha!) fechado em mim. Quando me perco em Deus chego de novo lá onde antes de mim eu era desde a eternidade. Quando pensas em Deus, em ti o ouvirás: se te calas e aquietas, ele sempre te falará. Deus me ama tanto quanto tudo sobre a terra: se não se tivesse encarnado, o faria agora por mim. Pode-se chamar o Altíssimo com todos os nomes; mas também, ao contrário, não lhe dar nome nenhum. Quem diz que algo no mundo é doce e amável ainda não conhece a beleza de Deus. Esvazia para Deus teu coração: ele não entra em ti se não vê o teu coração saído do teu coração. Tenho em mim a imagem de Deus: se ele quer ver-se, pode fazê-lo apenas em mim e naquele que é como eu. O sábio jamais perdeu sequer um centavo: nunca teve nada, e nada lhe foi tirado. Eu próprio sou eternidade, quando abandono o tempo e me recolho em Deus e Deus em mim. Quanto mais te abandonas em Deus, mais ele nasce em ti; nem menos nem mais ele te ajuda em tuas fadigas. Sei que sem mim Deus não pode um momento viver: se eu nada me tornar, ele deve por certo morrer. Deus é fogo em mim e eu nele sou a luz: não estamos, juntos, profundamente unidos? Nunca o homem bendisse mais altamente a Deus do que quando lhe concedeu gerá-lo como Filho. Se minha lâmpada deve espalhar luz e raios, o óleo, meu amado Jesus, deve jorrar de ti. Apenas Deus me ama: tanto se inquieta por mim que morre de temor que eu não o siga. Meu coração é um altar e minha vontade a vítima, minha alma é o sacerdote e o amor chama e brasa. Sou grande como Deus, e ele pequeno como eu; ele não pode estar acima de mim, nem eu abaixo dele. Puro como o mais fino ouro, firme como uma rocha, completamente límpido como o cristal: assim deve ser teu coração. Eu não sei o que eu sou, eu não sou o que eu sei: uma coisa, e por tanto coisa nenhuma, um pequeno ponto e um círculo. Também sou filho de Deus, estou sentado a Sua direita: Seu Espírito, Sua carne e Seu sangue são em mim conhecidos. Deus não se dá a ninguém; se oferece a todos, para ser todo teu se tu O queres. Se, no teu centro um paraíso não puderes encontrar, não existe chance alguma de, algum dia, nele entrar. O olho por onde vejo Deus é o mesmo por onde ele me vê.
Ver o primeiro
desenho de animação
do mundo:
Autour d’une cabine,
by Emile Reynaud,
em1894.
http://www.youtube.com/watch?v=A5MXcxaRXNsexta-feira, 1 de abril de 2011
Sete assombros de Walter Schels que, com a permissão dos fotografados, os clicou dentro de sua última morada.
A exposição se intitula
"Vida após a morte".
Clique aqui:
http://nautikkon.blogspot.com/search?updated-max=2008-06-25T16%3A34%3A00-07%3A00&max-results=7HISTÓRIA DA INFÂNCIA
Vovó se esforçava para apontar
com uma faca sem fio.
Um dia decepou o indicador.
Disse que a culpa era minha
e papai fez uma sinfonia com os chinelos.
Depois daquilo a bunda ficou envegonhada
e nunca mais cresceu.
Valdemir Klamt