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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Poema de Jorge de Lima

" Agora os girassóis entardecidos,
e esse lírio e essa rosa tão exangue
e essa mancha de símbolos sombrios
quase como um desmaio ou leve sangue.

Sobre os bosques caiu a tarde cinza
e a estrela temporária se augurou;
pendem das hastes cálices noviços,
e a cansada corola se esboroou.

E os cílios baixam gotejando chuvas
sobre os vidros das horas enterradas
com movimentos dos crimes e virtudes.

Algum arroio corre com essas lágrimas,
mas tão ligeiro pela escarpa aguda
que os olhos de quem vê nunca vêem, nada."

Poema XVII do Canto V de Invenção de Orfeu. Jorge de Lima.

Vale ler este poema e o conto A hora dos cansados de Enrique
Vila-Matas para ver esses olhos e a luz entardecida caindo entgre crimes e virtudes.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Lee Miller, 1939


Eu recebo zaúm na cave de meu crânio, zaúm que é raio de juízo feito um assopro doce, solto, raio que foge com o perfume dos navios que perdemos de vista.

O que eu quero, o que eu hablo, súbito acontece: estou pobre de espírito e, no mais oco de mim, soa o mantra de certa língua reduzida às palavras limpas de um cerimonial arcaico.

Calo-me, de hábito, porque ignoro tudo na arte em que sou exímio. Recurso para acuar Occam: coloca-se o arqueiro em posição de óbvia distração.

Resguardai-me ó árvores altíssimas, resguardai-me, que o vazio é um tango em mim: cada palavra é uma telha clara sobre o turvo pensamento. Antes que o tédio apodreça a música que escorre por meus flancos, penso que sou o pescoço longo de um coqueiro coroado co'a mais fina das chuvas.

Anahad shabad: aquilo que se ouve e não tem som: o som sem som: essência do Deus.

O movimento hierático de nossa clara língua: o exprimir das ideias nas palavras inevitáveis: om nagô abismo nô gongo om: se escuto música é porque ainda não me enterraram.

O sicômoro revivesce dourado na nudez do pensamento: e para curar-me deste sicômoro de fora necessito cultivar este sicômoro dentro: pois sabem todos que em matéria de conceito o não-conceito é bem mais poderoso que todos os desígnios conscientes: a renúncia dá: dá a força inesgotável do simples: sou servo, insisto, servo da fonte, não escravo do artifício.

Fernando José Karl


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Concurso Estadual de Poesia Vicente Cechelero



Palestra sobre Vicente Cechelero na Portonave





A Convite da Portonave participei do programa Embarque no Saber falando um pouco sobre a poesia de Vicente Cechelero.

Biblioteca Cartoneira



Aqui um encontro com alunos do Colégio Júlia Miranda onde cursei ensino fundamental e médio de 1981 a 1990. Estamos na sala de embarque do ferry boat em Navegantes. Em uma conversa, um poema, um livro à toa e a cartoanria serve aos leitores com o outro motor de travessias. Ao fundo o trânsito no Itajaí Açu


Projeto Tereceira Margem: o poema na travessia.




Uma iniciativa junto com o Instituto Caracol pretende proporcionar às pessoas o encontro com o poema no cotidiano. Sabe-se que muita , mas muita gente atravessa o Itajaí- Açu todos os dias. Adesivamos, então, seis poemas de autores catarinenses no interior dos ferry boats. Implantamos também, uma biblioteca cartoneira na sala de embarque no lado de Navegantes. Enquanto o sujeito aguarda o trânsito intenso das embarcações, pode ler alguns poemas ou narrativas.







quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DALTINHO

Cada vez mais ranheta e sem paciência com o que ele chama de cu de cachorro, essa gente chata que vive perguntando tudo, Daltinho fez uma posição no violão um pouco complicada. Nisso o menino impressionado lhe faz a pergunta:
- Que escala é essa Daltinho?
Daltinho levanta a cabeça, olha o aluno e com a grosseria da voz rouca habitual lhe responde:
- Escala Richter, ignorante.
- Pô! Daltinho, não precisa avacalhar.
O Daltinho é assim mesmo. Se o encontrar por aí nunca pergunte como vai o amigo. Porque a resposta será essa: que tem amigo é puta.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Cesar Vallejo

Los heraldos negros

Hay golpes en la vida, tan fuertes Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma Yo no sé!
Son pocos; pero son Abren zanjas oscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán talvez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.
Son las caídas hondas de los Cristos del alma,
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema
Y el hombre Pobre pobre! Vuelve los ojos, como
cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
se empoza, como charco de culpa, en la mirada.
Hay golpes en la vida, tan fuertes Yo no sé!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Edward Steichen, 1931



Dedico esta narrativa à Izi, quando ela ainda dizia "casoro".


Voava, sim, em pequeno sonhava que voava, abria em leque as clavículas, enchia a boca de chuva e principiava a flutuar, porque eu havia me tornado mais leve que o algodão. Era assim que acontecia o pré-voo: estava sereno entre as pessoas, no quintal, súbito me desinteressava da conversa e mil asas batiam sob minha blusa encardida: era impossível resistir: daí meus pés lentamente saíam do chão e tudo era tão real que, ainda hoje, lembro das coisas vistas lá de cima: e o que eu via mesmo?

Via o telhado inteiro do casarão avarandado onde eu morava perto do mar; via os caramanchões formando um túnel vegetal por cima dos portões ferrugentos de uma igreja; via as fachadas brancas dos casarões sob as altas paineiras; via um cavalo negro todo coberto de capim alto: via as taquareiras que balouçavam, estalavam, gemiam ao vento, vergando suas copas com uma graça flexível; via a chuva lavar tudo; via os pescadores em suas canoas a jogar búzios; via um muro velho, no quintal de uma casa indefinível; via a moça carregando um triste cacho de bananas verdes; via o meu pensamento enfiar-se pela guelra dos peixes pra aprender a singrar com eles pelas frias águas da enseada; via o sono daqueles que se embalavam nas redes de embira nova; e, para aproveitar que agora era dono de um reino só meu – o reino do ar – eu singrava para aqui e para ali feito uma folha de bétula no inverno; depois, como se nada tivesse acontecido, eu descia com a leveza de uma pluma – a língua da alma é a pluma – no mesmo quintal de onde havia alçado voo.

Devo ter crescido muito rápido porque, durante anos, não tornei a voar, e os meus sonhos ficaram escuros. Para que fiquem claros de novo, abandono o nariz no ar e arejo os olhos para dentro de meu crânio, só assim percebo que o não-sabido é bem mais poderoso que todos os desígnios conscientes e, sentado numa poltrona gasta, na varanda do casarão perto do mar, coloco um vinil riscado na vitrola, leio a “Arte Poética”, de Horácio, que resume o que deve ser qualquer livro ou pintura ou sinfonia ou o que seja: “Uma bela desordem precedida do furor poético”.


Fernando José Karl

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Minha filha Izi

encontrei essa menina odalisca
esses olhos tão sérios
teimosa que ela era
só pra me contrariar cresceu.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

ÁGUA FRIA

Ela recendia
A perfume de água fria

Uma mulher senta a teu lado
Quando sai
Leva teu sonho


Floriano

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CANÇÃO DE BELFAST

Esta garota é de uma cidade perigosa.
Corta seu cabelo bem curtinho
para que uma parte a menos de seu corpo se arrepie
quando ferem alguém.

Dobra suas memórias como um páraquedas.
Abandonada, recolhe turfa
e cozinha em casa seus legumes: aqui
eles comem onde matam.

Ah, nestas paredes há mais céu do que, digamos,
terra. Donde o timbre de sua voz;
um olhar que te mancha a retina como um olho
cinzento quando mudas

de hemisfério, e a saia xadrez curtinha, cortada
de modo a flutuar no vento.
Sonho com ela bem amada e bem matada,
pois esta cidade é pequena demais.

Iósif Aleksándrovitch Bródski


HÁ GRITOS INTERMINÁVEIS

olhem para suas casas 

          vamos 

olhem para as paredes de suas casas 

e tentem desenhar um arco-íris de concreto 

          procurem desvendar que poder 

ou magnetismo há nestas paredes 

mesa cama sofá tapete fogão 



que eu estou farto de represas 

e procuro nos classificados uma notícia assim 

ontem se viu na avenida algo inaudito 

todas as mulheres carregavam buquês de flores nas cabeças 



todos os homens as esperavam 

          de ventres abertos 

não houve grito berro nem carros 

ontem o mundo silenciou 

as televisões foram desligadas e não houve suicídio 

nada de música poema trabalho 

nada de gritos intermináveis 

medo desespero solidão 



ontem a terra parou sua rotação 

          e o perfume da última bomba atômica 

cometeu suicídio por sentir vergonha 

Marco Vasques










segunda-feira, 8 de agosto de 2011

PARA QUEM ESTIVER EM ITAJAÍ


no sábado, dia 13,  a sala do teatro muncipal de itajaí será denominada sala toni cunha. acontece também a abertura do festival brasileiro de teatro toni cunha com a inauguração de um mural no hall do teatro em sua homenagem. apareçam.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O HANAMI

nesse dia chichido-san enterrou com suas mãos os maços de arroz no quadrado atrás de sua casa. sentou embaixo da imensa cerejeira até que o vento batesse e molhasse de flores o suor de sua cabeça. o grande terremoto levou de um susto sua casa e seu tabuleiro de arroz. tudo o que havia juntado estava ao rez do chão. chichido-san naquele momento resolveu levantar-se e começou a dançar na ponta dos pés uma dança antiga com a música que varava sua cabeça. o mundo espalhava no chão as flores de cerejeira enquanto sozinho acompanhava com passos as flores no vento.nada poderia atrapalhar sua tradição:era o hanami que abria as flores e elas eram mais efêmeras que sua própria desgraça.


Antonio Carlos Floriano

Concurso Estadual de Poesia Portonave - Vicente Cechelero


O Instituto Caracol promove em parceria com a Fundação Cultural de Navegantes e com o patrocínio da Portonave, um concurso estadual e um concurso escolar de poesia em homenagem ao poeta catarinense Vicente Cechelero.
O concurso estaual irá premiar um autor inédito com a publicação de 500 exemplares do livro. Os poemas devem ser enviados para o Instituto Caracol em duas vias impressas até dia 25 de outubro deste ano.
O concurso escolar é válido para escolas públicas de Navegantes. Serão premiados 1º,2º e3º lugares em três categorias : 6º e7º anos do ensino fundamental, 8º e 9º anos do ensino fundamental e 1º,2º e 3º anos do ensino médio. Mais informações no site do Instituto Caracol e no blog da Fundação Cultural de Navegantes.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

HOLDERLIN

para Antonio Medi: Rodrigues


Luz não se vê tão límpida
quanto, inundando a casa,
aquela que extravasa
fugaz de qualquer lâmpada

que, de repente, exalte-
se e atinja, por um átimo,
à beira do blecaute
mais último, seu ótimo.

Cega ao fulgor, a orelha
talvez capte de esguelha
um ultra-som que, esgar-
çador como um lamento
no afã de se queimar

Nelson Archer