POR MARCO VASQUES
Publicado no jornal Notícias do Dia [03/09/2012]
A mente e o corpo são mesmo uns punhados de mistérios. Parece que sempre serão. Quase nunca saberemos ao certo o motivo desta ou daquela reação. Dia destes, por exemplo, estávamos numa das piores peças de teatro já vista nos palcos brasileiros. Tudo acontecia daquele jeito enfadonho quando, mais que de repente, uma frase dita por um dos atores, ao que parece, fez com que uma senhora, que estava ao nosso lado, se esvaísse em lágrimas.
Que gatilho, imagem, lembrança, enfim, parte do corpo aquela frase teria atingido para que aquela mulher vivesse ou revivesse um fato, uma ideia, um pingo de memória que levasse o seu corpo a reagir da forma mais inesperada possível, já que o espetáculo se posiciona numa zona inclassificável? As perguntas nos perseguem. O que teria acontecido naquele pequeno e minúsculo pedaço de tempo? Como o encontro sonoro provindo de um ator que mal sabe as entonações das palavras se aconchegou nos ouvidos daquela estranha?
A coisa foi tão intensa que a emoção, o choro e inquietude da desconhecida desviaram a atenção e passaram a dominar a cena. A plateia, quase toda em absoluto constrangimento, já havia percebido que algo de estranho estava acontecendo. Aliás, já tinha notado que alguma coisa de esquisito se desenrolava no palco. No entanto, ficou mais intrigada ainda quando o teatro foi tomado por soluços desesperados.
Já no centro das atenções ela se recupera. Os atores, que continuaram servindo ao público um prato insosso e estranho, engoliam as palavras na velocidade da luz sem se preocupar com os espectadores. O ramerrão se estabelece novamente. O trabalho se prolonga ao ponto de tirar a paciência de Jó da rota. Os barulhos das cadeiras, sinal inequívoco de insatisfação, começam a se intensificar. Um e outro suspiro de impaciência. Público e atores já não se comunicam.
Antes do término, o choro recomeça. Lágrimas que destoam completamente da energia que circula pelo ambiente, ou melhor, da falta de energia e sintonia entre o que acontece na cena e com o público. Quando, finalmente, a coisa - porque aquilo não era mesmo uma peça teatral - finda-se, o mistério se desfaz. A tal da senhora, aquela que tinha mais águas nos olhos que dinheiro nas contas do Cachoeira, era uma carpideira cênica profissional.
Tal categoria é formada por amigos, tios, primos, mães, pais, irmãos e namorados. Emocionam-se com cenas estapafúrdias. Costumam, junto a uma plateia domesticada pela televisão, aplaudir tudo de pé e chorar diante da pieguice. As carpideiras cênicas são a parte teatral do não-teatro.
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