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quarta-feira, 23 de março de 2011

Isidoro

“Feio por demais” eram a desculpa das moças que rechaçavam Isidoro. Não que a feiúra seja um impedimento 100% para se arranjar alguém, mas o problema de Isidoro era a falta de atenuantes. No mundo da beleza explícita, os feios não têm lá a vida muito fácil, porém sempre se desenvolve uma simpatia, uma malemolência qualquer, com um pouco de sorte se enriquece, ou se tem algum talento, talvez até algum talento físico que possa surpreender as desavisadas, enfim, os atenuantes para a feiúra são inúmeros. Isidoro não os possuía. Não que fosse má pessoa, longe disso, era até trabalhador, honesto, tinha já comprado um terreno, começava a construir sua casa. Era rapaz seguro, ajuizado.

O problema é que não passava disso. “Juízo demais faz mal”, dizia a mãe de Isidoro que não acreditava muito no provérbio “quem ama o feio bonito lhe parece”. Ela até se martirizava em ver o filho tão desprovido de uma cara apresentável. Não só isso, mas desprovido de qualquer coisa que pudesse melhorar sua condição. O pior era a falta de elã, de aura. A mãe tentava a todo custo encaminhar Isidoro, ora para um grupo na igreja, ora para uns bailes no domingo à tarde, também não perdia a oportunidade de apresentar Isidoro, na flor de seus 25 anos, para toda viúva com menos de 50 que ele conhecesse. “Você precisa acontecer, menino”. Insistia a mãe. Mas Isidoro pouco acontecia. Cada vez mais casmurro, cada vez mais acabrunhado diante de sua vida vazia, inicialmente recorreu a prostitutas, afinal a essas mulheres não é dado o direito de escolha. Pelo menos ele assim achava. Não foi tão simples.

Isidoro era sensível, sabia que aquela mulher embaixo dele não estava ali, ou estava ali por causa daquelas notas em sua carteira. Nada mais. Nada demais. Isidoro sonhava encontrar uma mulher que lhe olhasse diferente, acima, adentro, além de sua casca. Mas qualquer olhar feminino esbarrava sempre na sua falta de atitude, na sua capacidade de superar a feiúra. Depois Isidoro enfiou-se no trabalho, nos fundos de um almoxarifado ele organizava tudo, menos sua vida. Peça por peça, código por código. Dia após dia. Era um daqueles funcionários que muitos sabem da existência, mas poucos sabem o nome. Claro, lembravam dele pelo predicado “o feio do almoxarifado”, nada além disso.

Certa feita, a psicóloga da empresa onde Isidoro trabalhava o avistou. Moça ainda cheia das utopias, viu naquele homem uma diferença que os outros não possuíam: aquela amargura que somente a feiúra concede às suas vítimas. A psicóloga chamou Isidoro. Tímido, ele compareceu. Ao ser inquirido por moça tão bonita Isidoro foi todo palavra. Falou durante horas, dias. As sessões ultrapassaram os limites da empresa, do profissionalismo, dos encontros no parque durante o fim de semana, dos bares. As sessões continuam no quarto do quarto e sala da psicóloga lá no centro da cidade. Isidoro já não é mais “o feio do almoxarifado”. Elevaram-no, as mulheres principalmente, à categoria de “feio, mas interessante”.


Rubens da Cunha

Um comentário:

Angelo Martins disse...

Parábens pelo belo " Isidoro" . Muito bem escrito, me lembrou Nelson Rodrigues em sua obra. Tenho um pequeno texto escrito,humildemente gostaria de enviá-lo ao senhor para que pudesse ler e quem sabe me dar umas dicas,

Abraços

Ângelo Martins