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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

AS SINOPSES E AS SINAPSES


As sinopses das peças teatrais ainda irão nos dar algumas dissertações e teses em algum curso de Antropologia. Elas são meio parecidas com as bulas de remédio. Prometem mundos e fundos. Se bem que as bulas têm uma vantagem em relação às sinopses teatrais, porque já de cara nos indicam as contraindicações. Com o teatro não tem jeito, o negócio é confiar, respirar fundo e torcer para que os males sejam os menores possíveis. Com os remédios? Mais um paradoxo bruzundanguense. Paga-se para curar um órgão e infecta-se outro.

Os males, no teatro, não têm sido pequenos neste início de ano. O fato é mesmo curioso, pois justamente no momento em que a nossa arte dramática passa pelo seu melhor momento, quando inúmeras companhias conseguiram construir suas linguagens, perseguir suas poéticas e quando até a crítica especializada do chamado “grande eixo” passa a perceber que nosso teatro existe, nós inundamos nossos palcos com as peças mais insípidas e incipientes.

As sinopses teatrais quase sempre pintam o boi com tintura mais viva, se bem que a moda, recentemente, é a de deprimir as vaquinhas que andam pelos pastos da Dona Lindomar. Relata a amante dos bichinhos: depois que um rebanho de vacas fugiram para cidade, todas com disfarces floridos, a depressão se generalizou no pasto, pois a classe não admitiu tal rebaixamento estético. E já mandaram avisar que com o novo visual elas serão impedidas de voltar ao campo, porque vão sujar a paisagem. O fato é que as sinopses teatrais, quase sempre, buscam dar uma floreada aos espetáculos.

Esses dias, no teatro do Sesc Prainha, uma sinopse alertava: “uma companhia de teatro vaga por tempos desconhecidos. O Patrão Patronildo e o sonhador Servil estão em busca de seus sonhos, aplausos e algumas moedas”. Que diabos isso diz sobre a peça? Seria mesmo de estranhar se um patrão não fosse patronildo, não? Olhem o tamanho do paradoxo: um sonhador servil que vai ao encontro dos seus sonhos? Mas como? Bem se vê que temos uma sinopse confusa, vazia, redundante e com aliterações grotescas.

Eis uma sinopse, pasmem, que reflete fielmente as características do espetáculo apresentado. O grupo conseguiu expor em palavras a materialidade da cena. Esse é aquele caso raro, raríssimo diria José Dias, de receita sem contraindicações. Quase sempre as sinopses de teatro não dizem nada sobre o que se vê em cena; outras vezes são tratados de filosofia; outras, ainda, são como o caso das vaquinhas, todas floridas. Exceção se vê na sinopse/espetáculo em questão. Um caso para os antropólogos, ou antropólogas!


MARCO VASQUES

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