Apenas direi que, se antes me chamava Severus de Deus, agora me chamo o Deus Severus e
prometo o reino dos céus a quem me adorar, e ameaço com os aguilhões do geena
mais cáustico a todo aquele que ousar ter dúvidas de que eu – Deus Severus – realmente exista.
As más línguas
comentam, à boca pequena, que sou um simples coroinha na igreja de Santa
Teresa, que repõe água benta na pia e, de vez em quando, ajuda a lavar estátuas
de santos. E ainda há outras línguas que, não sendo más, cultuam o sarcasmo e
espalham aos quatro ventos que sou pobre diabo, filho de um pescador de sardinhas-de-galha,
e que falo com as paredes quando estou só.
Sendo o que sou – o Deus Severus – me distinguo em
essência dos outros e, quando digo outros, me refiro àqueles homens que, com
obstinada monotonia, só sabem tatuar em si, a ferro e fogo, uma irremediável
banalidade.
Aos que zombam de
mim, eu digo: basta que eu profira apenas uma palavra para que a figueira seca
reverdeça, para que as neves não derretam, para que o morto inale de novo o
mais puro oxigênio.
Aos que teimam em
não crer em mim, eu os lanho com ataques cardíacos, loucura, mal de Alzheimer,
mal de Parkinson, mal de Hansen, tuberculose, tumor, câncer na próstrata,
alcoolismo.
Aos que se inclinam
reverentes ante mim, eu prometo o reino dos céus, mas o que é o reino dos céus?
Será o lugar onde a música torne todas as coisas leves? Todas as coisas: pele,
palavras, respiração.
Tem vezes, por conta
dessa mania de grandeza que me acomete nos dias nevoentos, me bate uma ressaca
e volto a ser o coroinha na igreja de Santa Teresa e, assim coroinha, sou banal
e monótono, menos quando urino na pia de água benta onde as velhas corolas –
baratas de sacristia – mergulham os dedos devotos.
Fernando José Karl
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