Inclinado de leve para a deusa de água, eu sonho que sou um skinhead com roupas de Popeye, que traz mãos que abandonam no abismo todo um ritual de argúcias. Murmuro cáustico para mim mesmo:
“Os de minha rua trazem-me aqui para ser julgado por esse Fariseu ressoando como tambor! Que fiz eu? Onde é o meu reino?”
O Fariseu, desatento ao esgoto que lhe suja a alma, perfila-se junto ao sólio de mármore e repete uns versículos na antiga língua dos livros apodrecidos. Como eu, o skinhead, permaneço silencioso, o Fariseu vocifera no meu tímpano uma brasa do inferno. Então Jesus, o sereno, que está perto do poço, se aproxima, estaca severo diante do Fariseu e, para que ele ouça, diz:
“Se os bichos pudessem falar, ficariam calados”.
A voz de Jesus é clara, segura, quando pronuncia a sagrada verdade:
“O reino do skinhead com roupas de Popeye não é daqui!”
Todos recuam, deixando o Fariseu e Jesus, a sós, no limiar do átrio. Não anda sobre água o Jesus nem multiplica pedras em peixes nem água em vinho, mas, para pasmo da multidão, ele ordena ao Fariseu que este seja transformado numa chuva fina sobre o rio Amazonas. O Fariseu não aceita que o transfigurem em chuva:
“Por que não me transmutas na conta de orvalho que estremece na ponta de uma folha?”
Com os cabelos sobre os ombros, Jesus desiste de transformar o Fariseu em chuva. Opta por algo mais leve.
A multidão amontoada ao canto do átrio aguarda o veredito.
E Jesus confirma a sentença:
“A partir de agora tu não és mais um Fariseu, mas um peixe com sede. E para esta sede não há água que chegue”.
Fernando José Karl
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