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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Crônica de Rubens da Cunha


Crônica publicada no Jornal A Notícia no dia 8/12/2009

SERBIS E A CONDIÇÃO HUMANA



As Filipinas são um vasto arquipélago no outro lado do mundo, do qual nós aqui quase nada sabemos. Eventualmente, uma catástrofe ou outra traz esse país-ilha à nossa atenção. Imagino que para os filipinos o mesmo se dá sobre o Brasil: uma notícia qualquer de futebol, de Carnaval, um acidente aéreo, enfim, algo fora do comum que faça o Brasil chegar a eles. Dias desses, cheguei a esse país, ou a uma ínfima parte dele, pelo cinema. Assisti ao filme “Serbis”, de Brillante Mendonza. A história se passa dentro de um cinema decadente, no centro de uma cidade, provavelmente Manila, a capital. Uma família inteira comanda o cinema, que apresenta filmes pornôs, há também no hall uma lanchonete. A câmera de Mendonza vai seguindo os personagens e revelando seus dramas, suas agonias, num jogo angustiante que expõe a dimensão catastrófica da humanidade. A música do filme é feita pelo barulho incessante vindo da rua. Não há silêncio e muito pouca privacidade nesse ambiente. Entre outras invasões, acompanhamos um menino que brinca num triciclo ao mesmo tempo em que assiste pessoas se “pegando” dentro do cinema. Uma mãe pede para entrar de graça com uma criança no colo, pois está buscando o outro filho adolescente que está se prostituindo lá dentro. Um agregado da família limpa os banheiros enquanto vive seus dois dramas: a namorada grávida e furúnculo que não sara. O filme tem lá sua parecença com Amarelo Manga, de Claudio Assis, ou ainda “Felicidade”, do americano Todd Solondz, ou seja, pessoas são devassadas nas suas intimidades, naquilo que mais escondem: pequenas traições, taras, breves necessidades sexuais, falta de comunicação, jogo contínuo de aparências e enganos e mesquinharias, etc, etc. O filme me confirmou que tirando a casca da língua, da cultura, homens e mulheres são iguais em qualquer parte do planeta, resumem-se às necessidades alimentícias e sexuais, ou como foi dito no impactante slogan do já citado “Amarelo Manga”: “O ser humano é estômago e sexo”. Enfim, talvez seja uma visão reducionista e pessimista do humano, mas frente a tanta barbárie, seja coletiva ou individual, fica cada vez mais difícil acreditar no conceito de civilidade ou de racionalidade diante dos instintos. O fato é que alguns dos principais cineastas da atualidade têm cada vez mais exposto este cerne instintivo da humanidade: Michael Haneke e sua frieza; Lars Von Trier e seu sensacionalismo; os irmãos Dardenne e sua radiografia lenta da condição humana; entre tantos outros vindos dos mais diversos países, quer dizer, a exposição (negativa? trágica? verdadeira? falsa?) das pessoas está globalizada também. Assim, Brillante Mendonza não está apenas revelando ao mundo seu exótico país, seus hábitos particulares, sua língua misturada (os filipinos usam no idioma local muitas palavras em inglês e espanhol, devido à colonização desses dois países, isso explica o nome do diretor e de boa parte do elenco), mas, sim, comprovando que as fronteiras humanas são tênues, e que muito do que nos faz iguais vem somente pelo nosso lado trágico e patético.

2 comentários:

Marco Vasques disse...

Rubens, coloquei uma foto do filme. Beleza.

Rubens da Cunha disse...

beleza,
grande filme...
recomendo