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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Uma crônica de Rubens da Cunha

Crônica publicada no jornal A Notícia no dias 16/12/2009

SOBRE NUVENS NEGRAS E A BELEZA DA VIDA

“Tá difícil ser eu sem reclamar de tudo. Passa nuvem negra, larga o dia e vê se leva o mal que me arrasou pra que não faça sofrer mais ninguém.” A voz de Gal nunca foi tão lâmina, nunca navalhou tão bem a alma quanto agora. A canção, a princípio só de amor, alarga-se a outras esferas e denuncia o descontentamento, que não é amoroso, ou que talvez não seja só amoroso. Quem sabe seja o final de ano e seu décimo terceiro salário infestando o comércio. Talvez sejam as luzes de natal – “Meu Deus, mas que cidade linda, no ano novo eu começo a trabalhar” – enfeitando as cidades com uma falsa luminosidade cristã.Talvez seja a árvore de natal da Capital, vendida a milhões, entregue numa altura abaixo da prometida. Árvore denunciativa de que o nosso sistema político está cada vez mais sujeito à indiferença da população. Ou seja, nossa sociedade é o paraíso dos corruptos. Afinal, somos ou não somos um povo apático e com uma tolerância acima da média? Talvez seja ainda o aquecimento global, a banalização da vida nas vitrines e nas artes, principalmente na música. “Você diz que não me ama, você diz que não me quer, mas fica pagando pau, qual é que é. Todo dia seu teatro é exatamente igual, você finge que me odeia, mas no fundo paga-pau.” Musiquinha sem-vergonha, o jeito é torcer para que desapareça tão rápido quanto apareceu, e que eu consiga ser sonoramente estuprado o menos possível. O pior é que, agora, eles aliam as músicas da moda a locutores na porta das lojas. Queria tanto saber quem tem coragem de entrar numa loja por que foi chamado por um locutor? Esses comerciantes já ouviram falar em vergonha alheia? Eu quase sempre morro disso. Passa nuvem negra, afinal eu “Não quero ser triste como o poeta que envelhece Lendo Maiakóvski na loja de conveniência”. Então eu vou pensar na vida bem interessante do tubarão-martelo, ou de um lêmure em Madagascar, ou ainda em povo nômade qualquer. Ou eu deveria só viver e deixar viver, mas como realizar isso sem cair na alienação ou na indiferença mais absoluta? Ou perigo maior: passar a achar certas coisas normais, e até mesmo gostar delas?“Não quero ser alegre como o cão que sai a passear com o seu dono alegre sob o sol de domingo.” Também não quero encher a paciência de quem se arriscou a me ler até aqui e que deve estar se perguntando: “Sim, Rubens, e daí? O que você vai fazer a respeito além de ficar reclamando e citando versos de músicas?”Eu lhe digo que não sei, que ao mesmo tempo em que tenho vontade de convidá-lo: “Quero que você me dê a mão, vamos sair por aí sem pensar no que foi que sonhei, que chorei, que sofri, pois a nossa manhã, já me fez esquecer”. Fico me perguntando “por que tanta luz?, dá-me um pouco de céu, mas não tanto azul”. Pois eu aprendi desde cedo que em rio que tem piranha, jacaré nada de costas, mas aprendi também que a “Vida é bonita, é bonita, é bonita”.

2 comentários:

Marco Vasques disse...

Ah! Tem gente que diz que tem mais 6 metros de árvore no subsolo. AHAHAHAHAAH.

Marco Vasques disse...

Este é o país da piada pronta mesmo.