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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

VERGONHA ALHEIA
Um sentimento que me tem atacado ultimamente é a vergonha alheia. Tento evitar, tento fingir que nada está acontecendo, mas é difícil. Está cada vez mais difícil. A vergonha alheia é aquela vergonha que você tem pelo outro, é quase uma empatia. O sujeito age, se veste, fala ou faz algo ridículo e não percebe, não se dá conta do estreito limite entre o humor e o grotesco, entre a exuberância e o mal gosto, por exemplo. É sempre um misto de pena e raiva, de vontade de orientar com vontade de dar uns tapas, de fugir dali e ficar ali presenciando aquela cena patética. Eu nunca tive muito problema com lixo cultural, sobretudo o vindo da televisão, muitas vezes até consumi sem culpa intelectual nenhuma. O problema é que agora o lixo cultural descobriu o rico filão da vergonha alheia. Não se trata mais de algo passadista, algo como ver as capas dos LPs dos anos 70 e tentar entender que roupa era aquela, ou ver fotos dos anos 80 e se admirar como as mulheres usavam aquele cabelo. A saber: o passado é sempre fonte inesgotável de vergonha alheia e própria, mas é passado, geralmente estamos bem melhores agora. O problema é o presente, a vergonha alheia como espetáculo, como entretenimento, como algo que parece natural sem ser, afinal um dos ricos mananciais de vergonha alheia é ver pessoas sendo o que não são, aparentando uma elegância e uma cultura que não têm, pessoas que desconhecem o poder terapêutico e seguro do silêncio. A televisão tem explorado cada vez mais esse desconhecimento.Todos os dias, somos expostos a opiniões, a comentários, a atitudes que, primeiro, não nos dizem respeito; segundo, mostram as deficiências intelectuais (sejamos politicamente corretos, afinal, os burros – animais – nunca mereceram ser comparados aos humanos) dos opinadores. O pior é esse jogo perverso que se estabeleceu entre a televisão, o público e os participantes de alguns programas que se humilham consciente ou inconscientemente por uns parcos minutos de fama. Parecia ser uma moda, mas veio para ficar.O melhor exemplo dessa superexposição da vergonha alheia está nos fenômenos dos reality shows. Detalhe, a praga é mundial. Fiquemos com dois dos mais conhecidos no Brasil, atualmente: “BBB” e a “Fazenda”. O vexame é a tônica. A vontade de parecer inteligente produz diálogos tristes. Nem Clarice Lispector escapou. Num diálogo quase surreal, um dos participantes diz que nunca leu Clarice Spektor, a outra corrige: Clarice Linspector, e por fim uma terceira diz que nunca leu um livro dela, apenas resumo. Ou seja, overdose tripla de vergonha alheia num diálogo de menos de um minuto. É uma pequena amostra.O problema é que quanto mais a idiotice é exposta, mais o público gosta, ou se identifica, mais a televisão fornece, mais surgem pessoas dispostas a aparecer pelo ridículo, mais o círculo vicioso se fortalece e o que era apenas algo ocasional, quase como um susto, torna-se o padrão, por isso, não deve demorar muito o tempo em que ser discreto, elegante e talentoso se tornem motivos de vergonha alheia.

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