O HOMEM E SEUS ABISMOS
“O amor que eu dei não foi o mesmo que eu vi acabar”
(Ana Carolina)
A possessão é fascista. Hitler só atingiu o seu nível de loucura porque supunha que era o emissário do povo alemão e a ele possuía. Mas a possessão para alcançar a margem do outro, para usurpar o movimento alheio só ocorre por conta de um consentimento declarado, velado ou roubado. Não há nada mais obsessivo e fascista que querer guiar o outro pelas nossas cores. Um equilibrista diria que é mais fácil se equilibrar nas chamas de uma fogueira da Idade Média que estabelecer o limite do consentimento, do abandono consentido ou mesmo do roubo de uma aprovação. O escritor britânico Eric Arthur Blair, mais conhecido por George Orwell, em A revolução dos bichos, já nos coloca diante das dificuldades de estabelecer fronteira. O homem não tem propensão cartesiana, embora se vanglorie por dominar a razão. Somos poço de contradições e desejos indefinidos. Uns quilômetros de incertezas é o que somos. Em qual lado estamos? Estamos dentro de nós ou estamos fora, no outro? O que do outro queremos? Queremos o outro ou nos queremos no outro? Queremos que outro seja um outro que imaginamos? Ou ainda desejamos ser o outro e justamente por isso o desejamos? Um homem é uma imensidão, um labirinto. O poeta português Sá-Carneiro já sabia que existe um Teseu dentro de cada homem, pois em um de seus poemas nos diz “Perdi-me dentro de mim/Porque eu era labirinto.” E é neste labirinto que nos guiamos pela terra, mas estamos sem a espada e o Fio de Ariadne, isto é, não temos salvação. O homem é um abismo de deuses e demônios, amores e ódios. Alguns homens vivem dormentes. Outros vivem em estado de fogo, fagulha, vertigem. Talvez estejamos mesmo condenados a rolar por sobre nós mesmos até findarmos. Uma espécie de Sísifo carregando as palavras para a mesma direção: o branco certeiro do esquecimento. E ainda que um universo de abismos, a vida, esta flecha sem direção no espaço, nos submete a possessões incalculáveis. Assim vivemos possuídos e perseguidos pelo tão propalado sucesso, pelo amor ideal e perfeito, pela constância, pelo olhares acusativos determinando nossos desejos, pelos preconceitos, pela intolerância e obcecados por não vermos o outro. Roberto, depois de me falar tudo isto, coça o nariz e diz: Marco, eu não suporto mais os maquinomens que sorriem por decreto. Saímos depois de ouvir “Uma louca tempestade” e “Vestido estampado” na voz de Ana Carolina. Ficamos o resto do dia em silêncio.
“O amor que eu dei não foi o mesmo que eu vi acabar”
(Ana Carolina)
A possessão é fascista. Hitler só atingiu o seu nível de loucura porque supunha que era o emissário do povo alemão e a ele possuía. Mas a possessão para alcançar a margem do outro, para usurpar o movimento alheio só ocorre por conta de um consentimento declarado, velado ou roubado. Não há nada mais obsessivo e fascista que querer guiar o outro pelas nossas cores. Um equilibrista diria que é mais fácil se equilibrar nas chamas de uma fogueira da Idade Média que estabelecer o limite do consentimento, do abandono consentido ou mesmo do roubo de uma aprovação. O escritor britânico Eric Arthur Blair, mais conhecido por George Orwell, em A revolução dos bichos, já nos coloca diante das dificuldades de estabelecer fronteira. O homem não tem propensão cartesiana, embora se vanglorie por dominar a razão. Somos poço de contradições e desejos indefinidos. Uns quilômetros de incertezas é o que somos. Em qual lado estamos? Estamos dentro de nós ou estamos fora, no outro? O que do outro queremos? Queremos o outro ou nos queremos no outro? Queremos que outro seja um outro que imaginamos? Ou ainda desejamos ser o outro e justamente por isso o desejamos? Um homem é uma imensidão, um labirinto. O poeta português Sá-Carneiro já sabia que existe um Teseu dentro de cada homem, pois em um de seus poemas nos diz “Perdi-me dentro de mim/Porque eu era labirinto.” E é neste labirinto que nos guiamos pela terra, mas estamos sem a espada e o Fio de Ariadne, isto é, não temos salvação. O homem é um abismo de deuses e demônios, amores e ódios. Alguns homens vivem dormentes. Outros vivem em estado de fogo, fagulha, vertigem. Talvez estejamos mesmo condenados a rolar por sobre nós mesmos até findarmos. Uma espécie de Sísifo carregando as palavras para a mesma direção: o branco certeiro do esquecimento. E ainda que um universo de abismos, a vida, esta flecha sem direção no espaço, nos submete a possessões incalculáveis. Assim vivemos possuídos e perseguidos pelo tão propalado sucesso, pelo amor ideal e perfeito, pela constância, pelo olhares acusativos determinando nossos desejos, pelos preconceitos, pela intolerância e obcecados por não vermos o outro. Roberto, depois de me falar tudo isto, coça o nariz e diz: Marco, eu não suporto mais os maquinomens que sorriem por decreto. Saímos depois de ouvir “Uma louca tempestade” e “Vestido estampado” na voz de Ana Carolina. Ficamos o resto do dia em silêncio.
Quadro O Grito de Edward Munch
3 comentários:
"A apresentação do trágico depende, principalmente, que o formidável (Ungeheuer),como o Deus e o homem se acasalam, e como, todo limite abolido, a potência pânica da natureza e o mais íntimo do homem se tornam Um na ira, seja concebido
pelo fato de que a unificação ilimitada se purifica por meio de uma separação
ilimitada"
me ocorre postar esta cita de Hölderling, sobre abolição dos limites.
abraço marco.
Bem, de certo modo tem muito a ver com o que escrevi. Um uno múltiplo que carregamos que nos ilumina ao mesmo tempo que ofusca as sendas.
resposta torta e bela, mas resposta :)
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