MI BUENOS AIRES QUERIDO!
Calle Florida. A arquitetura quase opressora de Buenos Aires entope-lhe os olhos, segue andando depois de três dias na cidade. Tropeça. Esbarra. Ouve pedaços de seu idioma, de idiomas alheios vindos do outro lado do mundo. Um homem toca harpa. Alguns param diante da estranheza. O som da harpa compete com os carros, os vendedores, outros músicos. O homem maneja aquele instrumento com a delicadeza difícil dos ignorados. Os pés doem. Nada que o faça parar, nada que lhe retire a liberdade e a solidão em ser um estrangeiro, mesmo tão perto de sua fronteira. Lembra-se de um poema. A amiga poeta o fez no hemisfério Norte enquanto vagava por lá, terminava dizendo que tudo estava em seu lugar, menos ela, a estrangeira. Olha a imponência dessa cidade e percebe que talvez aqui as coisas já não estejam em seu lugar: as pichações políticas, os restos de gente e de compras espalhados nas calçadas, a revolta pelo aumento da carne, a doença de um ex-presidente mais presidente do que nunca. O seu país repetirá a história dos argentinos? Chega a Plaza de Mayo mais uma vez. Os esquecidos da guerra da Malvinas ainda estão lá, acampados, pedindo para serem lembrados. Talvez fiquem ali para sempre. Talvez, em breve, acampem novos soldados vítimas do esquecimento. Entra na Casa Rosada. Guias vestidos a caráter o guiam por dentro da sede do poder. Tudo tão artificial quanto o Palácio do Planalto. Tudo limpinho para olhos turistas. Para entender o poder, talvez fosse necessário entrar nas veias dos mandatários da nação. Naquela oquidão escura que é o coração dos homens e mulheres com poder. Quer sair do circuito básico de ruas e bairros visitáveis, já os cumpriu, já os registrou na memória. Santelmo e suas feiras de antiguidades. Ricoleta e suas embaixadas. Palermo e seus parques. La Boca e sua aparente luxúria feita para estrangeiros. Onde será que Buenos Aires respira ares mais Sul americanos e menos europeus? Descobre parte da periferia. À medida que o ônibus se afasta do centro, a paisagem muda. A sobriedade dos prédios e das pessoas é trocada pelo colorido aberto do comércio popular, com aquela aproximação da China via Paraguai. A vida corre em outro ritmo no final da avenida Rivadavia, lá onde Buenos Aires acaba, lá onde as agências de turismo ignoram a existência das pessoas. Buenos Aires faz jus ao nome. Apesar do calor o vento é constante e amenizou a sua vida. Gostou da loteria da comida, pois só pedia aquilo que desconhecia. Passou por inúmeras livrarias e viu como um país pode ter outra relação com os livros. Foi ver um filme que no fim acabou sendo do Uruguai. Não entendeu quase nada do que os personagens falavam. Que distância entre a escrita e a fala. Ou entre os apresentadores de televisão e a fala das ruas. Imiscuiu-se o quanto pode dentro da cidade. Não queria ser turista. No máximo um estrangeiro curioso. Um estrangeiro que também teve seu lugar na Reina del Plata.
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