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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

A DECEPÇÃO


Decepção. Palavra difícil. A decepção é sempre um buraco, um espaço de incômodo que colocam ou que colocamos à nossa frente. Engraçado é perceber que a decepção vem do latin decepti, e originalmente significava logro, engano, fraude. Em inglês, a palavra deception, manteve-se semanticamente próxima de sua ancestral, mas em português ela se encaminhou para outro lado, para ser a tradutora do sentimento que se abate sobre a vítima do engano ou da fraude. A decepção acontece, sobretudo, quando há quebra de confiança, traição, desrespeito. Essa é uma decepção justificada, que pode ser apaziguada pelo ódio ou pelo perdão, pela justiça dos homens, ou a divina, a justiça preferida dos decepcionados. No entanto, existe aquele tipo de decepção, que a meu ver, é a mais terrível: a decepção insignificante, menor, que se limita à própria pessoa. São as pequenas e egoístas expectativas não correspondidas, os esquecimentos alheios que nos ferem, mas não o suficiente para que possamos romper, ou brigar, ou levar a questão realmente a sério. Pequenos descuidos que os outros têm conosco e que necessariamente temos com os outros. Essa decepção mínima, às vezes se aproxima da inveja, às vezes da raiva, não raro é só o ego ferido na sua sempre necessidade de atenção. Lidar com esse sentimento faz parte da constituição de cada um, afinal, ninguém está livre de se decepcionar. Tenho visto cada vez mais gente que não consegue fazer o “descarrego” das decepções, deixar o tanque do rancor o mais vazio possível. Vão acumulando as decepções míseras e quando acontece uma grande, justificada, não tem lugar para colocar, então transbordam, surtam. É um perigo. Além disso, existem os alimentadores, regadores de decepção, incapazes de tocar o barco e sair do rame-rame lamentativo, olhar mais para si e perceber que a decepção está restrita ao seu espaço, é, quase sempre uma consequência de suas próprias atitudes. Esse olhar-se a si mesmo, em muitos é trabalho danado, quase impossível: pois quem pouco olha para si é aquele que mais pensa somente em si, que mais quer manter o domínio mesquinho sobre tudo e todos. É sempre a vítima, tem sempre o mundo conspirando contra. Certa vez, ouvi uma ironia que dizia: “O mundo pode não conspirar contra mim, mas a favor também não está conspirando”, o que me remete a um daqueles versos-sabedoria de Mario Quintana que diz que o pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso. Enfim, por mais interessante que seja, o mundo não é um planeta que fica girando em volta de nós, sóis exclusivos. Trazer a vida para um plano mais embaixo, mais cotidiano, rir das pequenas mazelas, conhecer melhor a velha e boa empatia, pode nos fortalecer substancialmente para quando a decepção real e forte chegar nos devorando. Talvez o caminho seja reaproximar a decepção ao seu significado original, entendê-la como um engano, uma fraude, e que para vivermos melhor, o melhor é não nos submetermos a ela.

Um comentário:

Protesto disse...

Textos que nos fazem pensar, como o seu, que me fez refletir sobre a dor trazida pela decepção e meios para lidar com ela, sempre são os melhores para se ler.