por marco vasques
MEMÓRIA: METÁFORA DE ABANDONO
No livro Memória e Sociedade a historiadora Ecléia Bosi recupera parte da história e formação de São Paulo entrevistando e colhendo depoimentos de velhos que participaram e vivenciaram a história social da cidade. A companhia Dionisos usa o mesmo método para compor a partitura cênica de Entardecer. O espaço cênico, a cidade [Joinville, mas pode ser Berlin, Praga ou Imbituba] e os personagens são tramados e urdidos pela memória. São galvanizados no fio do impalpável. Sobrevivem da imatéria. É da relação do homem e seu meio social que vive a poesia de Entardecer. Nascemos para o esquecimento? Esquecer é um lembrar de nadezas? O que lembramos nos pertence? Que parte nossa se esvai com o esquecimento? Nossas desmemórias também dizem algo? São verídicas as nossas lembranças? Lembrar é reescrever? Escrever-se? Arrumar um lugar para o não-esquecimento? Buscar um sentido para o escorrer do tempo, para a finitude? O espetáculo Entardecer, dirigido por Silvestre Ferreira, nos coloca diante de infidas questões. Entardecer é, antes de tudo, uma partitura poética tecida pelo verbo em estado selvagem. O verbo-vulcão não violado pelas impurezas de uma sociedade deletéria ao sentido. É do abandono e da fragilidade que se alimentam os atores de Entardecer; contudo também se alimentam da força, da resistência e da insistência que Nino [Eduardo Campos], Maria [Clarice Siewert] e Uber [Andréia Malena] buscam na memória-motor, memória-medular. Eles têm a tarefa de desfazer lacunas pela cura da carne [também memória]. Tenho compactuado a tese de Octavio Paz de que a poesia é um núcleo de toda arte. Entardecer é um fragmento poético sobre o envelhecimento, sobre a busca de um sentido para estar no mundo e sobre o nosso complexo convívio social. O grupo trabalha a partir do conceito de mímesis [Platão/Aristóteles] e consegue atravessar o espelho sem grandes dificuldades. Duchamp disse que quando sabemos na verdade não sabemos, cremos. Os atores da companhia Dionisos estão imersos no universo que recriam. Sabem e acreditam no que estão fazendo. As histórias narradas em cena foram absorvidas e pesquisadas do “mundo real”. É no fragmento [Maria], na invenção do real [Nino] ou na crença do real [Uber] que navega este Entardecer. Há, evidentemente, alguns aspectos técnicos que o grupo precisa levar em consideração: ritmo-tempo do espetáculo, dicção dos atores e a busca de um elemento que dê mais organicidade ao mundo fragmentado das três vidas levadas ao palco. Contudo o espetáculo nos adentra pela teatralidade alcançada por cada personagem, pela sutileza, pela arquitetura poética, pela beleza plástica, pelo excelente trabalho dos atores e pelo trabalho de direção. Lembra-nos das palavras de Walter Benjamin: “o narrador conta o que ele extrai da experiência – sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história.” Portanto somos todos um pouco Nina, um pouco Maria, um pouco Uber ou todos ao mesmo tempo desenhados em nossos abandonos.
MEMÓRIA: METÁFORA DE ABANDONO
No livro Memória e Sociedade a historiadora Ecléia Bosi recupera parte da história e formação de São Paulo entrevistando e colhendo depoimentos de velhos que participaram e vivenciaram a história social da cidade. A companhia Dionisos usa o mesmo método para compor a partitura cênica de Entardecer. O espaço cênico, a cidade [Joinville, mas pode ser Berlin, Praga ou Imbituba] e os personagens são tramados e urdidos pela memória. São galvanizados no fio do impalpável. Sobrevivem da imatéria. É da relação do homem e seu meio social que vive a poesia de Entardecer. Nascemos para o esquecimento? Esquecer é um lembrar de nadezas? O que lembramos nos pertence? Que parte nossa se esvai com o esquecimento? Nossas desmemórias também dizem algo? São verídicas as nossas lembranças? Lembrar é reescrever? Escrever-se? Arrumar um lugar para o não-esquecimento? Buscar um sentido para o escorrer do tempo, para a finitude? O espetáculo Entardecer, dirigido por Silvestre Ferreira, nos coloca diante de infidas questões. Entardecer é, antes de tudo, uma partitura poética tecida pelo verbo em estado selvagem. O verbo-vulcão não violado pelas impurezas de uma sociedade deletéria ao sentido. É do abandono e da fragilidade que se alimentam os atores de Entardecer; contudo também se alimentam da força, da resistência e da insistência que Nino [Eduardo Campos], Maria [Clarice Siewert] e Uber [Andréia Malena] buscam na memória-motor, memória-medular. Eles têm a tarefa de desfazer lacunas pela cura da carne [também memória]. Tenho compactuado a tese de Octavio Paz de que a poesia é um núcleo de toda arte. Entardecer é um fragmento poético sobre o envelhecimento, sobre a busca de um sentido para estar no mundo e sobre o nosso complexo convívio social. O grupo trabalha a partir do conceito de mímesis [Platão/Aristóteles] e consegue atravessar o espelho sem grandes dificuldades. Duchamp disse que quando sabemos na verdade não sabemos, cremos. Os atores da companhia Dionisos estão imersos no universo que recriam. Sabem e acreditam no que estão fazendo. As histórias narradas em cena foram absorvidas e pesquisadas do “mundo real”. É no fragmento [Maria], na invenção do real [Nino] ou na crença do real [Uber] que navega este Entardecer. Há, evidentemente, alguns aspectos técnicos que o grupo precisa levar em consideração: ritmo-tempo do espetáculo, dicção dos atores e a busca de um elemento que dê mais organicidade ao mundo fragmentado das três vidas levadas ao palco. Contudo o espetáculo nos adentra pela teatralidade alcançada por cada personagem, pela sutileza, pela arquitetura poética, pela beleza plástica, pelo excelente trabalho dos atores e pelo trabalho de direção. Lembra-nos das palavras de Walter Benjamin: “o narrador conta o que ele extrai da experiência – sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história.” Portanto somos todos um pouco Nina, um pouco Maria, um pouco Uber ou todos ao mesmo tempo desenhados em nossos abandonos.
4 comentários:
Somos todos um pouco de tudo e de todos - se não me falha a memória. Que bárbaro isso, Marcos. Pena eu estar tão longe. abçs.
Sem dúvida uma das mais belas peças que eu já assisti!! Entardecer emociona, toca muito fundo. É uma mistura de fragilidade, lembranças, nostalgia.. Uma linda homenagem aos joinvilenses. Obrigada!
Obrigado pelo olhar sobre o que a gente faz.
Um abraço
Vini
Obrigado pelo olhar sobre o que a gente faz. Belo texto!
Um abraço,
Vini
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