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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

UMA CRÔNICA DE MARCO VASQUES

EU SOU UMA OBRA DE ARTE

Quanto mais estudo e vejo as artes plásticas/visuais ditas “contemporâneas” mais me reaproximo da Renascença. Saí com esta frase numa exposição em que tudo é obra, ou ainda, nada é obra. O que para alguns significa a mesma coisa: tudo é obra=nada é obra {no caso a contradição é uma afirmativa verdadeira}. A proposta do trabalho, parece, é discutir as tão batidas questões: afinal o que é uma obra de arte? Quem define o que é uma obra de arte? Para que serve uma obra de arte? Que obra de arte é possível em nosso momento histórico? Para quem fazemos afinal uma obra? Penso apenas que para produzir as indagações acima não se faz necessário produzir um monte de quinquilharias. Basta ir direto às questões. Tenho brincado, adoro brincar-jogar, que tem gente fazendo filosofia pensando que faz artes plásticas/visuais. E é claro que alguém vai me puxar um Jean-Luc Nancy e vai me dizer que com o pós-estruturalismo [e póstumo-póstudo] não há mais origens e isto e aquilo. Numa conversa com o artista Rodrigo de Haro chegamos a algumas conclusões acerca de muitas das intervenções ditas “contemporâneas”: deleite para amigos, ausência de trabalho, muita preguiça, reserva de mercado, vício acadêmico maquiado de experimento hiperultramegapósmoderno e, sobretudo, a institucionalização da rebeldia. A rebeldia deixou de ser algo inerente ao espírito do artista e passou a ser uma febre coletiva. É longa a corrida para se ser um rebelde sem sê-lo na verdade. Na mesma exposição, em que até eu era uma obra de arte {segundo relato dos expositores}, falei com um artista sobre algumas questões que me incomodavam no trabalho exposto. Não obtive nenhuma resposta. Ao perguntar para artista responsável pela exposição, cheio de vontade de entender, por que ela colocou árvores unidas a um aparelho sonoro? Ela apenas respondeu que achou interessante colocar as árvores para ouvir os sons. Pode? Pode sim leitor. E se é para lembrar Barthes, como querem, lembrem do que ele fala na sua fabulosa AULA. Saberes e sabores unidos. Gerar violência sem violar a pobre língua que não tem nada a ver com as incapacidades alheias. A poeta Mariana Ianelli, em entrevista recente, disse que a poesia brasileira alcançou um apuramento formal tão grande que mais parece “um esqueleto sem espírito”. Foi o que senti na exposição. Falta de espírito, de carne, de alma, de textura, de beleza e poesia. É preciso ser honesto com o trabalho alheio. Nem tudo na exposição são quinquilharias. Uma das “obras” exposta ao fundo do ambiente vale o registro pelas instigações metafóricas e pela captura de uma beleza incomum no todo da proposta. Nosso teatro também anda bem “avançado”. Pululam experimentos deploráveis. O tudo-vale chegou aos nossos palcos também. Dia desses tive que indenizar uma amiga. Sério! Fomos ao teatro ver o espetáculo PRAZER ALGUM. Resultado: não tivermos algum prazer e ainda vimos o velho e batido clichê modernoide. Fiquei tão constrangido que paguei umas cervejas importadas para ela. Não vou nem comentar o tamanho da indenização que tive que pagar para duas amigas ao irmos assistir a última montagem da chamada TRILOGIA LUGOSI. Foi de matar. De matar mesmo. Até deu vontade de usar o revólver cênico. Mas só vontade. Gostei tanto de ser uma obra de arte que colei a frase na testa e estou aqui em CASA para apreciação. Venham! Quem não gostar do EU OBRA DE ARTE pode apreciar algumas obras dos artistas: Fernando Lindote, Carlos Asp, Juliana Crispe, Rodrigo Cunha, Rodrigo de Haro, Fernanda Magalhães, Luiz Henrique Schwanke, Amélia Toledo, Diego del Campos, Mirika Morgan, Telschow e muitos outros. Venham! Ah! Na Bienal de São Paulo tinha uma monitora que queria fazer meu cérebro obtuso acreditar que um monte de objetos coletados por uma “artista” depois de festas e expostos aleatoriamente era uma “obra”. Eu já saí com essa: “meu cérebro diminuto não alcança essa genialidade toda.” Quanto à exposição que mencionei nem vou entrar em questões como: a acessibilidade ao público, a ausência de uma monitoria, o horário de exposição, o tempo de duração da mesma e o público alvo. É claro que só menciono isso porque penso que sempre, sempre que se usa dinheiro público para um trabalho artístico, ainda mais o “contemporâneo”, que é de difícil compreensão, tem que se pensar em deixar as pessoas, o maior número possível delas, usufruírem aquilo que elas pagaram. E se possível orientá-las. Mas como bem disse o poeta e artista plástico Rodrigo de Haro: “deleite para amigos, Marco.”

4 comentários:

Rubens da Cunha disse...

é isso aí. estamos juntos na cruzada: mais poesia menos pretensão

MaxReinert disse...

Eu, antiquado que sou, faço parte do tempo em que o artista tinha a necessidade de dizer algo através de sua obra. Não estou falando obviamente de uma mensagem óbvia e fechada, mas da obra como necessidade de expressão de um ser humano... aquela que, mesmo por caminhos obscuros, toca ao ouvinte/espectador/apreciador...

Mas eu estou fora de moda!!!

Marco Vasques disse...

Pois é. Acho que somos umas vozes meio dissonantes.ahahhaha.

Rosane Martins disse...

Não te achei reacionário não!
Extremamente pertinente sua colocação, referente ao uso do dinheiro público e o resultado/produto "artístico"que recebemos. Estive recente num evento de arte de conceituada artista e sai com um vazio artístico dentro de mim. Mas não foi um vazio instigante, provocado pelas obras e " instalações", mas um vazio completo de proposta, de sentido, de arte! Lástima que combina com este período difícil que a Ilha vive!