O leque branco de Carmínia não abana mais. Ela morreu faz uma hora e só tinha 12 anos. Do aquário, instalado na sala de sua casa, as carpas espiam o caixão de Carmínia entre quatro círios.
Por vezes uma rajada de vento dá uma rasante, primeiro nas cortinas, depois nos longos cabelos negros da menina Carmínia; inclinam-se as grandes árvores do jardim por causa do vento, ao mesmo tempo em que as pessoas abaixam a cabeça para o último adeus à ela.
As mãos de Carmínia nunca mais na asa da xícara, no dorso do gato, no regador para respingar as plantas; agora, a tristeza acaba de entrar no jardim de Carmínia e passa diante das grandes árvores; com os dedos cruzados na altura dos pulmões, a tristeza contempla as pálpebras da morta, aquela a quem o verão queimou, a quem o inverno gelou; o pai da menina, próximo ao grande aquário na sala, escreve com a espinha dorsal de um peixe sobre a tabuinha de argila, enquanto palmeiras vergam o ar com suas ramagens longas; e parece que foge das coisas algo que confunde e aviva.
Eis senão quando um vendaval circunda feérico a casa de Carmínia e as pessoas, em torno do caixão dela, seguram-se onde podem. Um é arremessado para as águas do grande aquário e as carpas devoram seus olhos; outro é lançado contra a cristaleira e cai mortalmente ferido pelos cacos; o padre me confidencia o seu nome, Barrabás Motta: ele é guardião do fogo e, durante a oração de entrega do corpo, empunha o guarda-sol de seda branca que protege a pele sensível de Carmínia.
Quando o caixão de Carmínia passa, todos a cumprimentam maquinalmente; um velho que transita, de barbas venerandas, com os dentes caninos à mostra, resmunga qualquer coisa, traz na mão uma vara de bambu em que pousam rinocerontes domesticados.
As ruas assemelham-se a largos caminhos de aldeia e quase sempre se caminha ao comprido de um muro, donde escapam ramos negros de sicômoros.
Fernando José Karl
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