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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

EVOCAÇÕES

Marco Vasques


Cruz e Sousa vem recebendo, muito justamente, uma série de homenagens e eventos em torno de sua vida e obra. Claro que muita coisa dita acerca dele não passa de obviedades. Foi pobre. Foi negro. Foi gênio. Foi incompreendido. E por aí vai o rosário. Em absoluto, pouco mudou: continuamos uma sociedade pobre e com um índice ridículo de concentração de renda; negamos, de forma grotesca, nossas origens africanas; somos preconceituosos; ainda não compreendemos nossos artistas; e muitas crianças, jovens, adultos e velhos morrem, neste exato momento, na mísera miséria.
Do poeta ficou uma obra gingante que vem estimulando outros artistas em suas criações. A mais nova obra de arte provocada pela arte de Cruz e Sousa chama-se “Evocações”. Uma peça teatral dirigida pela argentina Andrea Ojeda e com uma atriz-iluminação chamada Luiza Lorenz.
Lorenz, que vive ali em Santo Antônio, esteve alguns meses na Argentina, com a Périplo, Compañia Teatral, compondo essa partitura teatral de inominável beleza. Ela entrou no abismo do verbo. A poesia de Cruz e Sousa na voz-corpo de Lorenz é voo de pássaro se debatendo na escuridão. É perturbação dos sentidos. É iluminação da palavra, do corpo. A fusão do verbo, da voz, do corpo e a movimentação cênica resultam num equilíbrio de sopro e silêncio, de Dioniso e Apolo.
São raríssimos os atores que conseguem carregar a poesia para o palco. Isso se dá pela dificuldade de se compor uma dramaturgia que permita a plena realização da ação, do movimento e da palavra. “Evocações” tem uma dramaturgia impecável centrada na prosa do bardo catarinense e faz um breve percurso biográfico. Tudo em “Evocações” é contido, na medida correta e sem exageros.
O cenário é composto por um baú-esquife, por três vestimentas-fantasmas e um círculo de pétalas de flores que demarca os outros signos cênicos. É nesse ambiente que Lorenz vai da linguagem do clown à atuação minimalista. Passa pela atmosfera expressionista e pelo gótico e nos comove profundamente com uma atuação, com sua iluminação.
A apresentação, realizada no Palácio Cruz e Sousa, nos jogou num campo magnético ígneo e ao público “era mister atravessar a zona incendiada; porém a zona era muito mais extensa do que na realidade se julgava.” “Evocações”, o espetáculo, nos empurra para esta “zona incendiada” e ficamos, continuando com as palavras de Cruz e Sousa, como “os viajantes, batidos, acossados de pânico, lívidos, ansiosos, como se acabássemos de ser desenterrados vivos”. Fomos soterrados e levados ao fogo como se queimados pelo gelo.

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