Crônica publicada no jornal A Notícia: 06/01/10
O TREM ANIMAL MÍTICO
O livro “Estação Catarina – o Trem Passou por Aqui”, organizado por Fátima Venutti traz 17 textos de 13 autores da região de Blumenau sobre suas experiências com trens. Um ponto comum na maioria dos relatos é a memória dos tempos em que o trem era um meio de transporte comum que ligava as cidades da região. O livro revive, entre outras, as reminiscências de um garoto indo para Jaraguá do Sul; de outro visitando o avô em São Bento de Sul; de um menino e uma menina indo a Rio do Sul; de uma mulher visitando uma Maria Fumaça, que atualmente faz apenas um passeio turístico entre Rio Negrinho e São Bento do Sul. Na mesma medida em que o trem era um transporte comum, barato, eficiente, era também mágico: as estações, os vagões de passageiros, as locomotivas, os túneis, os trilhos, a sonoridade toda azul, o sacolejar em linha reta, fizeram do trem quase um animal mítico rasgando distâncias. Por que então acabou? Por que então o Brasil decidiu investir em estradas no lugar de ferrovias? Explicações históricas, econômicas, sociais devem existir aos montes, mas prefiro inventar a minha: o trem de passageiros acabou justamente porque era mágico demais para a pressa dos humanos. Há no trem um perigo iminente: o da poesia. O trem talvez seja o único transporte terrestre que cause comoção, fascínio, que rompe o cotidiano com seus gritos e sua compridez absurda. O trem, mais que um transporte, é um brinquedo para meninos e meninas. Mais até: transforma homens e mulheres em meninos e meninas. Um perigo para a vida adulta, para a tristeza da vida adulta. Ainda hoje, quando o trem carregado de mercadorias atravessa Jaraguá ou Joinville, é um evento atrapalhando, destoando, poetizando as cidades. O que seria se esse animal viesse grávido de pessoas? Se atravessasse as cidades com gente se sentindo livre, sentindo-se criança de novo. Imagino que muito da melancolia saudosista presente no livro “Estação Catarina” venha do fato de que, em Blumenau, não passe mais nenhum tipo de trem, de que a ferrovia foi incorporada ao sistema viário da cidade e a magia se apagou quase que definitivamente. As antigas estações viraram museus, as Marias Fumaças atração turística, os trilhos em muitas partes foram dominados pelo mato, os dormentes apodreceram. Ao contrário da tão copiada Europa, não investimos em trens, preferimos os carros, a carcaça de metal bem individual, bem solitária, bem progressista. E assim, o trem comum e mágico virou memória. Talvez minha explicação para o desaparecimento de trens de passageiros em Santa Catarina seja apenas delírio inconsequente e que se os trens não tivessem sucumbido, não haveria essa romantização toda, seja no livro “Estação Catarina”, seja por esse poeta que ainda infantiliza-se sempre que vê um trem passar na sua frente.
Um comentário:
Olá, Rubens!
Cá estou, lindo o blog, vou percorrer um pouco mais os trilhos aqui.
Abraço
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