Deixo aqui os dois poemas que li. Poemas sem moradas em livros.
Báçira
I
um cartapácio de folhas secas e pano
estralam sob as digitais
as palhas, as falas, o solo, as solas
rachadas, hidratadas
um corpo
igual sob a luz q desce a oeste
ao som comprido de um oboé.
quero mesmo todas as falhas
as frestas todas as cores todas os dias
a dança de todas as noites e a imobilidade
de lugar outro, tempo outro, os mesmos no exterior
da maquina do Dr. Faustroll
poucos vêem
outros menos ainda
dançam.
ser cartapácio
desperta um desejo de síntese.
memória, até parece.
por isso as digitais
suas vertigens e deltas
povoam estas margens
olhos baixos bulbos de luz intensa
porém embargada
não chove, não chove, não chove
(assim a seara seca sob as solas)
palavras verdes, húmus, volutas, poeira:
flores maduras sob o sol
desidratam as tatuagens
onde os olhos não alcançam
quero te ver dançar
na pele da tarde talvez
II
povôo este território onde antes mar,
sua desmedida quantidade de pétalas
esta guirlanda inerte na areia,
ignorada, pode mentir, porque tem sangue.
não faz diferença, talvez mau agouro.
distante assim pro mar a maresia
dança o espantalho de costas. aqui. Longe da foz
ilumina-o as frases do trompete
as pétalas que deixei na beira da praia
agora, uma esquadra sem bússola
estrelas boiadas, borboletas marinhas
virei as costas na partida, segui
os mesmos passos do espantalho, do Báçira
tudo gira ao seu redor, ao meu. ali, dançando. no campo árido
como extensão que só existe entre as palavras,
o enorme silêncio. talvez aqui a minha casa
talvez aqui, sinta, como no mar, a extensão
e o solavanco, as fronteiras rangendo ao longe
planto e pesco neste espaço
povôo as falhas das letras, minha mais cara não sabência .
quem sabe em breve floração
a qualquer momento podemos não ter o solo,
dizemos, então: vento.
diante de todo este espaço:
_ um campo re-coberto de naufrágios.
[o espantalho olha de lado, sorrimos]
*
a bicicleta de H.H.desmontada
para Rafael Duarte
antes mesmo do ronco,
da corrente que enguiça
da mola, da mente;
o ferrugem a banguela - a feia
esta que foi, é
lambe o chão
onde cospem os homens
que a modorra carcome
esta sim
aquela que abre a carne mole
para passar uma ponte
um gato com rato na boca
uma boca de lobo com a gengiva inflamada
tentei ainda, tentamos
antes ainda do ranger de dentes
quando os pedalins ainda eram cataventos
lá, nesse lugar que é bueiro
mesmo lá havia brisa
onde a praça ? onde dança a feia?
onde o morro atropelado de teobaldo?
antes ainda
tento lançar minha âncora
fincar o dormente
ver alguns raios da roda
ou do sol
antes do mar da ponte da feia da praça
antes da catinga daquela cinza
fuligem em volta do corpo
antes (onde estávamos?)
um abalo sísmico
o dormente é o antes
o lugar ainda da partida - a ilha a ilha
o ferrocarril da mordedura exata
shhhhh anda rapaz diz o nome dela
_ ó seo, a feia!
então, necessário o retorno.
volto ao inferno
desço a memória
q agora achatada pela fumaça é
escadaria longa, pneu furado
o caminho é diferente
rondando feito bólide aceso na retina
em cabotagem a caixa craniana
baile de marimbondos
caminho diferente depois daquela noite
crescem heras em todos os edifícios
onde, onde crescem heras (?) por todo corpo da ponte
sobre a gengiva da feia
o corpo todo da feia:
o ornamento ganha enfim a fonte, a feia, a falta
a noite ao avesso,
buscava um corpo para habitar.
II
ainda era tudo depois
depois do ronco e da queda
depois do susto e da fenda
depois do rosto, a ruga.
viste já umarruma, na tez da noite?
é assim:
um fio de descarga, um arremedo de poeta, um conjunto de caras falando falando falando
um sonho com um galho na mão, procurando água no poço.radiestesia sem fim e começo
pulmão laminado pelo aço da china, a distância ,a distância que a memória exige. Assim.
aquele rosto falava comigo
ele
um olho maior que o outro
um raio atravessava e ouvia-se
“a poesia não está nisso”
nessa prece, nessa pressa
de engolir em seco.
outro rumor
sob a couro da carta virgem
alí ó – olha
duas bicicletas
pedalando forte sobre a ponte
esse outro ruído não são dentes
são pneus descolando do asfalto molhado.
Assim: páginas nos dedos
a língua do letes lembra a sombra daquela noite
saliva no leste um sol simulando novo começo.
Anda rapaz, larga esta margem de rio.
Cristiano Moreira
Um comentário:
teus poemas são bons demais, cristiano.
grande abraço daqui da xarraguá!
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