CRUZ E SOUSA
Os miseráveis, os rotos
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
As sombras das sombras mortas,
Cegos, a tatear nas portas.
Procurando o céu, aflitos
E varando o céu de gritos.
Faróis a noite apagados
Por ventos desesperados.
Inúteis, cansados braços
Pedindo amor aos Espaços.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
Figuras que o Santo Ofício
Condena a feroz suplício.
Arcas soltas ao nevoento
Dilúvio do Esquecimento.
Perdidas na correnteza
Das culpas da Natureza.
Ó pobres! Soluços feitos
Dos pecados imperfeitos!
Arrancadas amarguras
Do fundo das sepulturas.
Imagens dos deletérios,
Imponderáveis mistérios.
Bandeiras rotas, sem nome,
Das barricadas da fome.
Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.
Fantasmas vãos, sibilinos
Da caverna dos Destinos!
O pobres! o vosso bando
É tremendo, é formidando!
Ele já marcha crescendo,
O vosso bando tremendo...
Ele marcha por colinas,
Por montes e por campinas.
Nos areiais e nas serras
Em hostes como as de guerras.
Cerradas legiões estranhas
A subir, descer montanhas.
Como avalanches terríveis
Enchendo plagas incríveis.
Atravessa já os mares,
Com aspectos singulares.
Perde-se além nas distâncias
A caravana das ânsias.
Perde-se além na poeira,
Das Esferas na cegueira.
Vai enchendo o estranho mundo
Com o seu soluçar profundo.
Como torres formidandas
De torturas miserandas.
E de tal forma no imenso
Mundo ele se torna denso.
E de tal forma se arrasta
Por toda a região mais vasta.
E de tal forma um encanto
Secreto vos veste tanto.
E de tal forma já cresce
O bando, que em vós parece.
Ó Pobres de ocultas chagas
Lá das mais longínquas plagas!
Parece que em vós há sonho
E o vosso bando é risonho.
Que através das rotas vestes
Trazeis delícias celestes.
Que as vossas bocas, de um vinho
Prelibam todo o carinho...
Que os vossos olhos sombrios
Trazem raros amavios.
Que as vossas almas trevosas
Vêm cheias de odor das rosas.
De torpores, d’indolências
E graças e quint’essências.
Que já livres de martírios
Vêm festonadas de lírios.
Vem nimbadas de magia,
De morna melancolia!
Que essas flageladas almas
Reverdecem como palmas.
Balanceadas no letargo
Dos sopros que vem do largo...
Radiantes d’ilusionismos,
Segredos, orientalismos.
Que como em águas de lagos
Bóiam nelas cisnes vagos...
Que essas cabeças errantes
Trazem louros verdejantes.
E a languidez fugitiva
De alguma esperança viva.
Que trazeis magos aspeitos
E o vosso bando é de eleitos.
Que vestes a pompa ardente
Do velho Sonho dolente.
Que por entre os estertores
Sois uns belos sonhadores.
Cruz e Souza
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