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quarta-feira, 17 de março de 2010

Conto e imagem de Antonio Carlos Floriano


O AGIOTA

Tinha no bolso doze mil euros para pagar o ladino. Parou bem no final da rua. O sol dourando as fachadas dos sobrados. Tinha que pagar. E se não pagasse? Gastaria o dinheiro e esperaria uma reação do sovina. Mas o velhote tinha salvado seu noivado com a moça mais bonita do rio do Ouro e isso tinha uma valia para todo o sempre. Iria pagar. Subiu as escadas e viu, pela fresta da porta janela, o casaco desfigurado do agiota. Bateu com o toco do dedo e nada do velho virar a cabeça. Pediu licença e aproximou-se. O cristão novo com a cabeça emborcada na xícara de café tinha no rosto lilás um encarnado nos lábios. Uma torrada sufocava a garganta e entupia a boca. Morto por um pedaço de pão. Não pensou duas vezes, correu na mesa estante e buscou com grande sucesso seu caderno de notas. Procurou e ali estava: José Arimateu, doze mil euros. Rasgou a página e sumiu pela noite já quando os últimos lojistas fechavam suas vitrines. Semana seguinte voltou até a padaria em frente e perguntou se sabiam onde morava o agiota. Precisava de um empréstimo e ouvira boas recomendações sobre um senhor distinto que ajudava todos por ali naquela freguesia. Morreu com uma fatia de torrada no pomo de Adão, respondeu aliviado o padeiro em tom de galhofa com um enorme sorriso entre os imensos bigodes.

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