O vento lhe sopra a nuca. Gosta dessa intimidade com o invisível que só pode ser sentido pelo tato. Estranho, dão tanto valor aos olhos, à visão, mas o que realmente enxerga o que não pode ser visto é o tato. O vento mais forte, fechando o dia, a brisa amena das 9 horas da manhã, o calor dos meio-dias de dezembro, os invernos-infernos de julho, ou ainda as coisas do alto, do outro lado. Um arrepio, uma premonição, o corpo recolhendo para si o fluxo, o trânsito, a linha densa, mas, ao mesmo tempo, tênue entre o real e a superstição, entre a ciência e a fé, entre o que existe aqui e lá e é só dúvida de muitos e certeza de muitos. Lembra sempre de um trecho do poema de João Cabral, “Escrito com o Corpo”, como ele o chamou: “Porém de perto, ao olho perto, sem intermediárias retinas, de perto, quando o olho é tato, ao olho imediato em cima, descobre-se que existe nela certa insuspeita energia”. Quando o olho é tato, igual nos cegos que andam firmes, certos da visão de pele, e mão e pé. Igual quando as pessoas se amam no escuro, e tudo se resume a experimentar caminhos, um no corpo do outro, com as mãos, o peito, as pernas, o queixo, a boca e até mesmo a língua, que antes de ser terreno do sabor, é pele para ser encostada sobre outra. O beijo é mais do que um encontro de bocas, é um encontro de corpo, sem “intermediárias retinas”, sem o império do olhar. Acredita que a natureza fez o homem mais que um bicho sem pelo, fez de nós depósito de sensações. Por isso, o tato é do tamanho do corpo, talvez por isso tivemos que cobri-lo com roupas, negar seu poder, concentrá-los nas mãos, no rosto, escamotear a dimensão do toque, ficarmos restritos aos olhos, ao que se molda apenas na distância. O tato exige a perigosa proximidade, só ele capta a “insuspeitada energia”. Só ele confirma o que os olhos não conseguem. Por que será que apertamos sempre as frutas, sentimos a maciez e a firmeza de um tecido, desobedecemos sempre as plaquinhas de “por favor, não tocar”. Só pode ser porque, antes de ver, de ouvir, de cheirar, de degustar, era o tato quem determinava, quem dizia o que gostávamos ou não. Lembra-se de Adão e Eva antes de romperem as fronteiras, antes de conhecerem o resto do corpo, de como andavam inocentes, de como eram insuspeitos, tato puro nos inícios. Quando romperam, quando deram poder aos olhos foram expulsos. Perderam o tato, perderam o jeito. Por pensar em tudo isso, sem saber mesmo quem é, por se sentir vítima de um sistema intransponível, por saber que terá que conviver dentro dos padrões visuais imperativos, vez ou outra fecha os olhos, despe-se e deixa-se ser. Nada mais, sem subterfúgios, sem cascas, sem medo, sem as agruras da vaidade ou da estética. Apenas ser tanto. Ser tato.
Rubens da Cunha
Imagem. Nudo Disteso, de Franco Gentilini
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