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quarta-feira, 31 de março de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

A MEIA-IDADE

Os olhos doem. Dentro: pelo que veem. Fecha-os. Não adianta: doem pelo que pensa. Sobre os ombros o cansaço, a solidão, aquele sem-sentido na vida. Crise da meia-idade, dizem os mais chegados. Meia-idade? Mas o que é isso? Uma perspectiva, uma estatística, um 50% off, como nesses cartazes nas lojas? E qual é a idade inteira de um homem? A pessoa vai adquirindo idade ou perdendo-a? Tem algum ódio desse negócio de meia-idade porque ela retira do nascimento o poder e o dá a morte. Parece-lhe que um homem com meia-idade é um homem com meia vida. A idade completa ele alcançará no dia em que morrer? Tentam lhe explicar que não é bem assim, que é um período de mudanças, em que o homem não é mais jovem, mas também não é velho, está na meia-idade. Os olhos doem. As perguntas não param de nascer e abocanhá-lo. As paredes brancas do apartamento, a vida exigindo uma mudança. O trabalho, o casamento, os amigos, a mesma coisa de sempre. “Te assenta, homem!” parece ouvir a alma dizer. “Te espraia nesse sofá confortável que o teu trabalho comprou, assiste uma inutilidade nessa televisão pregada na parede, fica quieto, dorme, toma uns comprimidos, esquece”. Obedece à alma, o sofá é realmente confortável, quase metade do salário, a televisão vomita salafrarices em todos os 160 canais. Fica quieto, os olhos doem, além das costas. Não dorme, muito cedo ainda. No armários de remédios, vê a vida da mulher em pílulas. Olha as roupas dela jogadas no quarto, a mulher deve estar sofrendo da crise da meia-idade também. Disse-lhe que iria ao shopping. Pensa na possibilidade de estar sendo traído. Pela quantidade de remédios no armário, não deve se preocupar. Ela está prazeirando-se nas compras. Logo chegará com uma roupa nova para ele, talvez uma calça, uma gravata. Ele sorrirá, dirá que não precisava, ela dirá que foi ele mesmo quem pagou e rirá da piada dita há mais de vinte anos. “Te assenta, homem!”, ouve a alma de novo. Talvez devesse sair. Talvez devesse resolver a crise de meia-idade à moda de alguns conhecidos, arranjando mulher mais nova, virando um tiozão de meia-idade, frequentando os puteiros da adolescência. Desiste, lhe falta pulsão, pulso. Tem meia-idade, os olhos doem, mas o senso de ridículo permanece intacto. Por outro lado, esse mesmo senso não lhe permitiu tantas coisas, tantas entregas, tantas idas à outra margem que não fosse aquela da segurança, da discrição, do recato. Engole um dos comprimidos da mulher. A ideia de engolir todos os comprimidos da mulher lhe provoca um pequeno sorriso de ironia. Viveu que nem homem a vida toda, se tivesse que se suicidar iria ser que nem homem: corda ou tiro. Nada de remedinhos, coisa de gente idiota. A mulher chega, faz o teatro esperado, ele também representa bem o agradecido pela camisa nova. As paredes brancas do apartamento. Os olhos doem. Ele tenta conversar. Ela liga a televisão, aumenta o volume. Convida-o para ver a novela. A sua meia-idade está sendo um tempo de poucas escolhas. “Te assenta, homem!”. Obedece à alma e à mulher.

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