Lançamento dia 17 de junho
Fundação Cultural Badesc
Editora Letras Contemporâneas, 70 páginas, R$25,00
Prefácio: Péricles Prade
Posfácio: Luis Serguilha
UMA LUZ POSSÍVEL
Por Ronald Augusto
Marco Vasques volta mais feérico neste Flauta sem boca, seu pathos imagético se instala desta vez — à diferença de Elegias Urbanas, livro de 2005 —, por assim dizer, numa “nervura teimosa” de versos, ou versículos, mais extensos. As questões que obsedam o espírito do poeta retornam à cena. Observamos um artista que afivela personae trágicas, e enquanto põe a nu seu coração defunto por meio de “uma língua que não come hóstias” se vê implicado nos horrores que mais registra e recria do que denuncia. Neste pequeno conjunto de longos poemas, Marco Vasques nos coloca diante dos destroços do tempo e da anomia presente que soçobram à tona da linguagem. E mais uma vez, aqui e ali, enfiamos pelas formas do manicômio, do hospital, do hospício, da necrópole, etc, imagens especulares dos nossos territórios urbanos.
Flauta sem boca é música calada. Mas o oximoro do poeta e místico San Juan de la Cruz, pode ser tomado tão só como um ponto de partida. Noutra direção, dir-se-ia que Marco Vasques busca em seu livro a figura de uma música falhada, fraturada. Amputações de sentidos, de anseios. Pois essa música de que se ouve apenas o seu silêncio, símile da voz dos afogados se resolve, ao fim e ao cabo, na exasperação da própria incongruência: aqui é um violoncelo tocado a dentes, ali um violino ao som da saliva, mais além “a última nota [que] jaz na corda...”, etc. Como os mundos ínferos da Commedia de Dante, o mundo que nos é ofertado pela poesia de Marco Vasques é um mundo mudo de luz. Mas talvez em Flauta sem boca ainda reste uma luz, aquela de que falam os versos de João Cabral de Melo Neto no narrarem as últimas horas de Frei Caneca no Auto do frade (1984); a gente nas calçadas, aguardando o momento da execução, diz que ele “Veio do século das luzes,/ para uma luz de branco de osso”. A luz silenciosa, muda; a luz possível de ser desentranhada de Flauta sem boca: o enquadramento metonímico do esqueleto na lâmina escura de uma radiografia. Sem esperança, sem temor.
Marco Vasques volta mais feérico neste Flauta sem boca, seu pathos imagético se instala desta vez — à diferença de Elegias Urbanas, livro de 2005 —, por assim dizer, numa “nervura teimosa” de versos, ou versículos, mais extensos. As questões que obsedam o espírito do poeta retornam à cena. Observamos um artista que afivela personae trágicas, e enquanto põe a nu seu coração defunto por meio de “uma língua que não come hóstias” se vê implicado nos horrores que mais registra e recria do que denuncia. Neste pequeno conjunto de longos poemas, Marco Vasques nos coloca diante dos destroços do tempo e da anomia presente que soçobram à tona da linguagem. E mais uma vez, aqui e ali, enfiamos pelas formas do manicômio, do hospital, do hospício, da necrópole, etc, imagens especulares dos nossos territórios urbanos.
Flauta sem boca é música calada. Mas o oximoro do poeta e místico San Juan de la Cruz, pode ser tomado tão só como um ponto de partida. Noutra direção, dir-se-ia que Marco Vasques busca em seu livro a figura de uma música falhada, fraturada. Amputações de sentidos, de anseios. Pois essa música de que se ouve apenas o seu silêncio, símile da voz dos afogados se resolve, ao fim e ao cabo, na exasperação da própria incongruência: aqui é um violoncelo tocado a dentes, ali um violino ao som da saliva, mais além “a última nota [que] jaz na corda...”, etc. Como os mundos ínferos da Commedia de Dante, o mundo que nos é ofertado pela poesia de Marco Vasques é um mundo mudo de luz. Mas talvez em Flauta sem boca ainda reste uma luz, aquela de que falam os versos de João Cabral de Melo Neto no narrarem as últimas horas de Frei Caneca no Auto do frade (1984); a gente nas calçadas, aguardando o momento da execução, diz que ele “Veio do século das luzes,/ para uma luz de branco de osso”. A luz silenciosa, muda; a luz possível de ser desentranhada de Flauta sem boca: o enquadramento metonímico do esqueleto na lâmina escura de uma radiografia. Sem esperança, sem temor.
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