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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

RUGAS: RUSGAS

A pele do rosto está seca. No canto dos olhos, rugas. Rusgas com a idade. Nada demais, lhe diz a razão. Cinquenta, o que são cinquenta anos para uma pessoa nos dias de hoje? Tratamentos, cirurgias, receitas, a juventude vem em cápsulas. Cinquenta anos não é nada. O futuro está todo pela frente, dizem as propagandas, as revistas, a TV. O mundo lhe diz isso diariamente, porém pela boca de gente cada vez mais jovem. Olha ao redor: as peles esticadas de algumas conhecidas, os implantes capilares de alguns conhecidos, o botox, o silicone, a academia, a dureza falsa das carnes, a felicidade comprada e exposta em cremes redutores de rugas e celulites. As tentações são muitas, a vida exige um lustre na casca, na aparência. Dinheiro pouco. Trabalhou demais, mas não dá para uma semana num spa. Como conseguiria um amor trinta anos mais jovem? Igual vê todo dia nas revistas. E não são apenas os artistas que estão fazendo essa viagem de retorno à juventude pelo corpo do outro. Quase todos os seus conhecidos estão fazendo isso: homens e mulheres rejuvenescendo-se nas carnes duras de ex-adolescentes. É uma experiência, se tivesse coragem, se tivesse menos culpa e menos pensamento. Se tivesse mais dinheiro, arrumava-se. Só a andadinha no final de semana não está adiantando, pois, além disso, tem que enfrentar a gula. Seu pecado maior. Não tivesse mãe que lhe desse tanto torresmo, tanta carne gorda, na infância, não teria agora tantos problemas para se livrar disso. Tem que comer saladas, verduras, legumes, o prato tem que ser colorido, dizem os aconselhadores na TV. Com que tristeza come mato e comida fria. Mas olha os corpos das modelos nas capas. Olha o corpo da atriz que tem a sua idade, olha o corpo da vizinha que é cinco anos mais velha, olha a saúde dos outros e mastiga com força e vontade o alface e a rúcula sem qualquer tipo de molho. Saudade da mãe e sua bacia de torresmo. Tenta esquecer um pouco a ditadura do belo. Trabalho ainda tem. Os filhos crescidos, mas não tanto. O marido alheio a tudo. Tanta coisa pra resolver. Se fosse à igreja? Se convertesse a uma religião qualquer? Lembra-se de quando fez isso e percebeu que mesmo na igreja o vestido mais bonito chegava mais perto do altar, o cabelo mais arrumado é que ganhava as benesses de Deus. Desistiu.“A vida segue para frente”, novamente a mãe lhe falando, “a gente tem que se contentar com o que tem”. Mas como? Se tudo ao redor insiste em fazer as pessoas descontentes. Se a roupa que se compra ontem é tão pior do que aquela que a loja colocou hoje na vitrine? Se tudo é magreza e juventude, conseguida naturalmente ou mandada fabricar numa mesa de cirurgia ou num laboratório qualquer? Está se irritando consigo mesma. Sabe disse quando começa a pensar demais e não encontra respostas. Também não consegue se aceitar. Aceitar seus cinquenta, aceitar as pequenas vitórias, felicidades, que esse corpo cansado carrega e carregará nos próximos cinquenta anos, que apesar da ditadura da juventude, não é pessoa de morrer antes dos cem.

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