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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Uma crônica de Rubens da Cunha

DESPEDIDA


Despedida. Despedir. Entre outras acepções significa desfechar, arremessar, desprender, soltar, terminar, licenciar, separar. Todos esses verbos podem também ser reflexivos: arremessar-se, ausentar-se, terminar-se. Despedir é um gesto duplo, direcionado ao outro e a si mesmo. É uma ruptura, um corte na alteridade e em si próprio. O patrão despede seu empregado. O general despede o soldado liberando-o da batalha. O amado despede-se da amada nos umbrais de um romantismo perdido. Os vivos despedem-se dos mortos em velórios e rituais de choro. Despedir, despedir-se é da condição humana. Há sempre os que ficam e os que partem. Estes recuperam de certa forma aquele nomadismo ancestral que nos tangenciou há muito. Há no despedir aqueles dois lados da mesma viagem, tão bem colocados na letra da canção de Milton Nascimento e Fernando Brant. Trata-se de um ato que carrega em si a dor de não saber o futuro, dos laços rompidos, talvez por isso seu correlato seja o adeus, o sem deus, sem guarida, sem a segurança da proximidade, sem a certeza do pertencimento. Por outro lado a despedida é uma forma de liberdade, de alargamento da visão, de novos territórios para a vida, então o a de adeus já não é um prefixo de negação, mas de encaminhamento. Adeus é um paradeus, para a vida que te chama e que está prenhe de liberdade para ser usufruída, basta você se despedir, se soltar, se desprender. Tanto um lado como o outro o que se tem pela frente é o enfrentamento do novo, a necessidade de se encarar a mudança. Apesar das possibilidades benéficas do despedir-se, ele tem muito parentesco com o despedaçar-se. A etimologia não aproxima as raízes dessas palavras, porém, não por acaso, elas caminham próximas nos dicionários. Despedir vem do latim expetere, que significa reclamar, reivindicar, palavra derivada de petere, pedir. Despedir: deixar de pedir, deixar de suplicar, apartar-se com um cumprimento e despedaçar-se no silêncio, no devir, na espera da morte. Despedir. Partir. Repartir-se em pedaços de pessimismo. Essa dubiedade, essa fronteira entre ir embora e quebrar-se em pedaços faz da despedida um acontecimento muitas vezes extremado, muitas vezes dolorido. Belo e dolorido como o aceno dos lenços do navio que parte; como os próximos distanciados nos campos de concentração do passado, ou nos campos de refugiados do agora. Despedir-se sobre e sob os escombros de um terremoto, as noturnidades de uma violência qualquer, os achaques dos senhores da guerra. Despedir. Despedaçar. É um romper, um atravessar a fronteira da segurança, um pisar nos escuros, nos silêncios do que será. A despedida pode ser bonita ou triste, longa ou repentina, imersa na aceitação ou na discórdia. A despedida pode se amigar com a liberdade ou com a prisão, pode se embrenhar numa vida mais plena, escorreita, ou cair na escuridão. A despedida tem sempre duas faces, menos num aspecto: nenhuma despedida é fácil.

Um comentário:

Profº. Cristiano Moreira disse...

rubens. da dureza do léxico (aço)
o açucar da poesia (nada)

q beleza. triste alegria.

abraço