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domingo, 20 de junho de 2010

José Saramago

Mais um dos grandes se vai, mas fica sua obra definitiva e alargadora da Língua Portuguesa. Em 2005 escrevi essa crônica:

Eu traí José Saramago

Sou um leitor apaixonado. Saramago sempre figurou entre os meus escritores preferidos. O estilo denso, a prosa meteórica, plena de discursos indiretos, suas histórias fincadas no absurdo, e de lá, da irrealidade, daquele mundo onde uma cidade fica cega, onde a Península Ibérica se torna uma jangada, ele expõe nossa sociedade conturbada, injusta, desagregadora. Tudo com personagens delicadamente fortes e poéticos. Por isso, eu sempre amei Saramago. Há um mês, quando comecei a ler ‘Memorial do Convento’, deu-se início a minha traição. Este é o primeiro livro dele que não chegou em mim, que não me envolveu, não me arrebatou, não me convenceu. O primeiro livro de Saramago que eu não gostei. Protelei a leitura, esqueci o livro pelos cantos, abri outros. Fiquei com vontade de desistir de Saramago. Não podia fazer isso com quem amo. Tentei reler os capítulos, conhecer melhor Blimunda, Baltazar, o padre Bartolomeu e seu sonho de voar em plena inquisição. Pouco adiantou. Aconteceu o que jamais imaginei possível: tornou-se penoso ler Saramago. Se a matéria-prima que ele normalmente usa está no livro: a linguagem, os personagens, a temática, um narrador cheio de opiniões, então o que aconteceu comigo, entre ‘A Jangada de Pedra’, o último romance de Saramago que li, e este ‘Memorial do Convento’? Não sei. O que sei é que todo traidor tenta encontrar explicações para amenizar sua culpa. Quando tomei consciência, lá pela décima página, de que “Memorial” não seria prazeroso, eu já maquinava explicações para me salvar. Primeiro num auto-engano leve, dizendo-me: “calma, segue mais adiante, logo você e ele retornarão àquele diálogo esfuziante dos outros livros. Logo o Saramago vai te levar em alturas nunca antevistas, nunca falhou nisso, por que falharia agora?” Depois, quanto mais me aprofundava no livro, e paradoxalmente, mais minha alma se afastava dele, outras desculpas vieram: seria uma expectativa exacerbada em mim, surgida do fascínio com que a poeta e amiga Dúnia de Freitas me falava dos poderes sobrenaturais de Blimunda; ou o fato de que eu ainda não estava psicologicamente recuperado da recente leitura do “O Fiel e a Pedra” de Osman Lins. Tudo desculpas falhas: Blimunda é uma das grandes mulheres da literatura mundial e eu não sou um leitor frágil, que se exaure quando termina um livro, por mais atordoante que este possa ser. Já abandonei muitos outros romances pelo caminho e nunca tive a sensação de que estava traindo o autor, desprezando a obra. Por amar demais a literatura de Saramago, por saber que a beleza de “Memorial do Convento” está lá, inteira, apta para os meus sentidos, é que me redimo de meus pensamentos traidores não exercendo o direito de não gostar de um livro. Culpado e sem entender o real motivo de não conseguir me envolver com a história, seguirei lendo até a última página. Por teimosia. Por amor.


p.s. - apesar do texto dizer que eu seguiria na leitura, a traição aconteceu: eu desisti de Memorial do Convento, um dia eu volto a ele.

Um comentário:

ítalo puccini disse...

essa eu não conhecia!

ótimo tê-la recordado aqui.

memorial do convento é meu próximo. bora ver o que acontece :)

abração!