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segunda-feira, 30 de maio de 2011

O AGIOTA

Tinha doze mil euros no bolso para pagar o ladino. Parou bem no final da rua, o sol dourando as fachadas dos sobrados de Braga. Tinha que pagar. E se não pagasse? Gastaria o dinheiro e esperaria uma reação do sovina? Mas o velhote tinha salvado seu noivado com a moça mais bonita dos vinhedos do Rio Douro e isso tinha uma valia para todo o sempre. Iria pagar.  Subiu as escadas e viu, pela fresta da porta janela, o casaco desfigurado do agiota. Bateu com o toco do dedo no vidro fosco de pó e nada do velho virar a cabeça. Pediu licença, foi entrando com calma e aproximou-se. O cristão novo com a cabeça emborcada na xícara de café tinha o rosto lilás, um encarnado nos lábios com ramificações azuis pela pele enrugada do rosto. Um pedaço de torrada sufocava-lhe a garganta e entupia-lhe a boca. Que ironia, morto por um pedaço de pão. Não pensou duas vezes, correu na mesa estante e buscou com grande sucesso seu caderno de notas. Procurou e ali estava seu nome em letra corrida: José Henriques, doze mil euros. Rasgou a página e sumiu num atropelo pela noite já quando os últimos lojistas fechavam suas vitrines. Semana seguinte voltou até a panifício em frente aos sobrados e perguntou se sabiam onde morava o agiota. Precisava de um empréstimo e ouvira boas recomendações sobre um senhor distinto que ajudava todos por ali naquela freguesia. Morreu com uma fatia de torrada no pomo de Adão, respondeu aliviado o galego. Em tom de galhofa, apoiou-se no caixa com um enorme sorriso entre os imensos bigodes.


ANTONIO CARLOS FLORIANO



 

Um comentário:

Anônimo disse...

O cristão novo com a cabeça emborcada na xícara de café tinha o rosto lilás, um encarnado nos lábios com ramificações azuis pela pele enrugada do rosto.

Não gosto quando há muitas cores: rosto lilás: ramificãções azuis: desvia a atenção.

Karl