DOS ENCONTROS
A noite começou assim: dois mundos. O cenário: corriqueiro. Numa mesa quatro mulheres com feições exuberantes e belezas singulares. Uma morena, uma loira, uma morena clara e uma acastanhada. Elas compunham o retrato completo de nossa miscigenação. Ao lado, noutra mesa, quatro rapazes. Quatro gajos, já que um deles era um legítimo português. Um loiro, dois morenos claros e um europeu careca. As moças riam abertamente. Uns risos de varar a alma. A comida relegada a um segundo plano. Enquanto a comida dormia sobre a mesa, construindo uma espécie de natureza-morta, os olhares esquentavam a atmosfera. E tudo começou:
_ Vejam! Aposto que são dois casais.
_ Será!
_ E se eles estiverem pensando o mesmo de nós?
_ São dois casais sim. Não vê aquele de camisa verde?
_ Ah, não! O de camisa verde não é. Com aquela cara de sem-vergonha! Duvido!
_ Mas olha como ele experimenta vinho?
_ Querida, existem muitos sem-vergonhas refinados por aí. Não lembra do Oscar não?
_ Que homem o Oscar!
_ Você também saiu com ele?
_ Ora, ele não era um sem-vergonha? Por que a surpresa!
_ Não se acha mais homem como o Oscar.
_ É possível deduzir.
_ Calma!
_ O que foi?
_ Sei lá. Eles estão rindo tanto. E aqueles dois que não param de olhar.
_ Bem, não são exatamente homens bonitos.
_ Mas...
_ Mas o quê?
_ Na situação em que estamos.
_ Que situação?
_ Estou falando da falta de homem, é claro!
_ É verdade.
_ Sim! E é a falta de homem que leva a outra situação.
_ O quê?
_ É a falta de homem que nos leva a falta de sexo.
_ Cruzes!
_ Cruzes!
_...
_...
_?
Enquanto a conversa se desenrolava na mesa feminina, ao lado, o papo assumia outra direção.
_ Conhece a poeta Selva Casal?
_ Não.
_ Emprestarei o livro dela. Estou traduzindo. Chama-se El infierno es uma casa azul. Existe mais que o Benedetti e Juan Carlos Onetti no Uruguai. Muito mais.
_ Estás a falar de mulher? Temos as poéticas de Maria Grabriela Llansol e a da Luiza Neto Jorge.
_ O Brasil não pode reclamar: Hilda Hilst vai à veia.
_ Clarice então.
_ Mas não estamos somente de poetas?
_ Mas a Clarice é uma poeta...
O garçom aparece com mais uma garrafa de vinho e o papo seguia em torno das mulheres que revolucionaram a linguagem literária acompanhada de alguma concordância em torno do que define os gêneros literários. Até que as mulheres ao lado, uma a uma, começaram a sair do restaurante. Ao vê-las sair um apavoro toma conta da mesa dos gajos. Uma a uma saem balançando ancas e perfumes. Um ar de desespero surge na mesa até que o português avança o sinal. E antes que a última mulher deixasse o ambiente ele segura seu braço esquerdo:
_ Como te chamas?
_ Helena.
_ Helena de Tróia, minha deusa!
_ ah!
_ Helena de Tróia, do poeta grego Homero. Helena era a mulher mais linda do mundo. Você confirma a tese do poeta.
_...
A essa altura a moça já estava com vontade de dar o fora, pois percebeu que aquilo era coisa de maluco ou de conquistador barato. Pensou que se tratava de mais um daqueles que decoram quatro ou cinco versos, vinte frases e saem por aí pensando que é um pensador legítimo. Mas a moça resolve investigar:
_ O que vocês fazem?
_ Somos escritores!
Ela continua sua investigação e resolve provocar:
_ Todos nós somos escritores. É só sentar na frente de computador e escrever!
A conversa não ia acabar bem, pois um dos escritores já estava pronto para dar xeque-mate. Estava para soltar a frase fatal, quando a moça replicou a pergunta:
_ o que você fazem?
_ Somos poetas, escritores. Pessoas que estudam a literatura, a poesia, a língua.
_ Ah? Como! Poetas!
_ Escritores, Helena.
_ Vocês querem dizer que vocês são principalmente escritores? Não fazem mais nada? Vocês são principalmente escritores?
_...
_...
E saiu ao encontro das três amigas.
_ E então?
_ São ou não são dois casais?
_ Então Helena?
_ São poetas!
_ Apenas poetas?
_ Não, não são apenas poetas, só poetas. Eles são principalmente poetas!
A noite começou assim: dois mundos. O cenário: corriqueiro. Numa mesa quatro mulheres com feições exuberantes e belezas singulares. Uma morena, uma loira, uma morena clara e uma acastanhada. Elas compunham o retrato completo de nossa miscigenação. Ao lado, noutra mesa, quatro rapazes. Quatro gajos, já que um deles era um legítimo português. Um loiro, dois morenos claros e um europeu careca. As moças riam abertamente. Uns risos de varar a alma. A comida relegada a um segundo plano. Enquanto a comida dormia sobre a mesa, construindo uma espécie de natureza-morta, os olhares esquentavam a atmosfera. E tudo começou:
_ Vejam! Aposto que são dois casais.
_ Será!
_ E se eles estiverem pensando o mesmo de nós?
_ São dois casais sim. Não vê aquele de camisa verde?
_ Ah, não! O de camisa verde não é. Com aquela cara de sem-vergonha! Duvido!
_ Mas olha como ele experimenta vinho?
_ Querida, existem muitos sem-vergonhas refinados por aí. Não lembra do Oscar não?
_ Que homem o Oscar!
_ Você também saiu com ele?
_ Ora, ele não era um sem-vergonha? Por que a surpresa!
_ Não se acha mais homem como o Oscar.
_ É possível deduzir.
_ Calma!
_ O que foi?
_ Sei lá. Eles estão rindo tanto. E aqueles dois que não param de olhar.
_ Bem, não são exatamente homens bonitos.
_ Mas...
_ Mas o quê?
_ Na situação em que estamos.
_ Que situação?
_ Estou falando da falta de homem, é claro!
_ É verdade.
_ Sim! E é a falta de homem que leva a outra situação.
_ O quê?
_ É a falta de homem que nos leva a falta de sexo.
_ Cruzes!
_ Cruzes!
_...
_...
_?
Enquanto a conversa se desenrolava na mesa feminina, ao lado, o papo assumia outra direção.
_ Conhece a poeta Selva Casal?
_ Não.
_ Emprestarei o livro dela. Estou traduzindo. Chama-se El infierno es uma casa azul. Existe mais que o Benedetti e Juan Carlos Onetti no Uruguai. Muito mais.
_ Estás a falar de mulher? Temos as poéticas de Maria Grabriela Llansol e a da Luiza Neto Jorge.
_ O Brasil não pode reclamar: Hilda Hilst vai à veia.
_ Clarice então.
_ Mas não estamos somente de poetas?
_ Mas a Clarice é uma poeta...
O garçom aparece com mais uma garrafa de vinho e o papo seguia em torno das mulheres que revolucionaram a linguagem literária acompanhada de alguma concordância em torno do que define os gêneros literários. Até que as mulheres ao lado, uma a uma, começaram a sair do restaurante. Ao vê-las sair um apavoro toma conta da mesa dos gajos. Uma a uma saem balançando ancas e perfumes. Um ar de desespero surge na mesa até que o português avança o sinal. E antes que a última mulher deixasse o ambiente ele segura seu braço esquerdo:
_ Como te chamas?
_ Helena.
_ Helena de Tróia, minha deusa!
_ ah!
_ Helena de Tróia, do poeta grego Homero. Helena era a mulher mais linda do mundo. Você confirma a tese do poeta.
_...
A essa altura a moça já estava com vontade de dar o fora, pois percebeu que aquilo era coisa de maluco ou de conquistador barato. Pensou que se tratava de mais um daqueles que decoram quatro ou cinco versos, vinte frases e saem por aí pensando que é um pensador legítimo. Mas a moça resolve investigar:
_ O que vocês fazem?
_ Somos escritores!
Ela continua sua investigação e resolve provocar:
_ Todos nós somos escritores. É só sentar na frente de computador e escrever!
A conversa não ia acabar bem, pois um dos escritores já estava pronto para dar xeque-mate. Estava para soltar a frase fatal, quando a moça replicou a pergunta:
_ o que você fazem?
_ Somos poetas, escritores. Pessoas que estudam a literatura, a poesia, a língua.
_ Ah? Como! Poetas!
_ Escritores, Helena.
_ Vocês querem dizer que vocês são principalmente escritores? Não fazem mais nada? Vocês são principalmente escritores?
_...
_...
E saiu ao encontro das três amigas.
_ E então?
_ São ou não são dois casais?
_ Então Helena?
_ São poetas!
_ Apenas poetas?
_ Não, não são apenas poetas, só poetas. Eles são principalmente poetas!
8 comentários:
Ótimo texto.
Adoro esse blog ;)
belo texto. realista. eu, como mulherr, afirmo que é 100% verossímil. e, como (principlamente - haha)escritora, espero que essas 4 mulheres fiquem um ano sem sexo, só de castigo :-)
abraço,
Deborah
hehe,
é a vida, ser principalmente poeta.
Débora: se vc conhecesse as quatro não iria praguear isso :)
abraços
Elas se redimiram. Viraram grandes amigas dos (principalmente) poetas. Mas que foi tudo muito engraçado e divertido...
Abraço a todos.
heheh, então estão perdoadas e livres do castigo :-)
mas fiquei curiosa... as personagens são baseadas em fatos reais?
abraço!!
Sim, esta foi uma cena que aconteceu mesmo. Foi muito engraçado tudo. Depois tivemos oportunidade de conhecer as meninas. Elas são muito divertidas. Os poetas eram eu, o Rubens da Cunha, o Max e o poeta de Portugal, Luis Serguilha, que passou uns dias aqui em casa. Eu não ia escrever nada, mas a cena foi tão inusitada que resolvi brincar com o tema. Parte ficção e parte realidade, que também é uma ficção exercida. Beijo.
Entre ficção e realidade, a narrativa retratada uma cena bastante divertida.O melhor de tudo, graças a ousadia do Serguilha de Portugal e a instigação da Helena de Tróia, estabeleceu-se uma relação forte. Adorei o texto.Beijo.
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