A seguir um texto de Marília Kubota escrito no dia seguinte à morte de minha vó.
SONHO O SONHO
Ela renovou a dose de água com açúcar na garrafa de plástico para atrair os beija-flores. Lamentava os filhos já não estarem sob suas asas, sofria vê-los perdidos no mundo. No parapeito da varanda, um copo com água e sabão, um canudo de plástico de soprar bolhas.
Os vaga-lumes apagavam e acendiam luzes no jardim. Os olhos do menino navegavam entre as luzes e os lábios que sopravam bolhas de sabão na varanda. Soprando rápido, bolhas pequenas subiam em fila para o alto. Soprando devagar, uma grande e cristalina bolha tremia instantes no canudo antes de bailar no ar e explodir. Não quero dormir, queixava-se o menino à avó. Não precisa ir pra cama agora, ela o consolava.
Quanto tempo entretidos com as bolhas? O menino coçava os olhos, bocejava e dizia Não tenho sono. Entre bolhas luminosas, erguidas ao nada, imaginava palácios, príncipes e guerras. O sopro monótono induzia ao sonho contra a sombria cidade de pedra vista morro abaixo.
Castelos, reis e fadas na luta contra o vizinho mundo hostil, a solidão da cidade que encerrava famílias ao redor de jantares insaciáveis – no outro dia a mesa seria posta e o mágico não conseguiria tirar a toalha sem quebrar os pratos. Neste mundo de pedras lascadas o menino buscava algo. Que podia estar no voo trêmulo da bolha de sabão, no pisca-pisca dos vaga-lumes, nos olhos claros da avó.
E se recusava a dormir.
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