ELEIÇÕES x VIDA
…E a vida segue depois da “festa da democracia”, onde comparecemos sob ameaças de multas e afins se acaso faltássemos (a obrigatoriedade do voto passa por uma discussão bem mais profunda do que pode suportar o espaço de uma crônica). Além de aguentarmos cavaletes, programas de TV, discursos muitas vezes absolutamente vazios, debates pífios. E também o pós-festa, com toneladas de material de campanha jogados no chão, algumas renovações políticas, outras continuidades, ou continuísmos. A vida continua em seus caminhos: para uns, nula, para outros, em branco, mesmo que pouco saibamos a diferença entre essas duas escolhas. Tecnicamente votar em branco ou anular o voto tem o mesmo valor, ou seja, os votos não são computados a ninguém. Depois da última alteração na lei, a diferença entre brancos e nulos é de ordem puramente conceitual: votar em branco demonstra indiferença, é uma aceitação do resultado mas sem a participação nele, é o velho “em cima do muro”, e está na urna como uma opção “oficial”. Já o voto nulo é o protesto, é dizer que nenhuma das propostas serve aos propósitos e por isso o grito. É preciso que o leitor se manifeste mesmo, que digite o número errado. A princípio parece interessante, mas é só mais uma fuga também, já que o protesto será sempre anulado, sempre engolido pelos vitoriosos, muitas vezes indignos da vitória. Quantas vezes passamos votando em branco, por pura indiferença, por pura preguiça a nos comprometermos? Fazemos da vida um falso mar de rosas, um acontecimento sem nervuras, quedas, levantes, caminhamos por cima do muro, seja qual muro for, já que não o construímos, nem ajudamos a destruí-lo. A vida bem alienada, bem pacífica dos que votam em branco, passam em branco. Por outro lado, está os que anulam a vida. Anular aqui entendido dentro do conceito das eleições: anular igual a protestar. A vida muitas vezes segue o caminho da reclamação contínua, do chutar o pau da barraca, do entornar o caldo, do ver o circo pegar fogo, ou seja, nada se estrutura, nada se configura possível, porque estamos sempre anulando o voto, anulando as escolhas viáveis, anulando as saídas. Sob a máscara do protesto firmamos cada vez mais aquilo contra o qual protestamos. Se nas eleições somos obrigados a votar, (e isso novamente parece um contrassenso à ideia básica de democracia, mas aí é outro assunto e novamente a grandeza do assunto não cabe nesse espaço) na vida também somos obrigados a escolher entre as opções que surgem, nem sempre as melhores. Fazemos avaliações, pensamos possibilidades, estabelecemos alianças, coligações, seguimos dogmas, crenças, ideologias, comprometemo-nos com as escolhas que fazemos, pensamos no futuro, escolhemos certo, errado. Viver é não se eximir das escolhas, é fazê-las e assumir as consequências. Viver é uma eleição todos os dias. Por isso, deveria haver uma conexão mais efetiva entre a vida aqui embaixo e os altos planos do poder.
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