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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A estrada

um dia se encontraram em uma estrada comprida. uma estrada cuja extensão não se podia medir senão depois do fim. se encontraram e se olharam. já haviam se encontrado inúmeras vezes nesta estrada, andando de um lado para outro, subindo montanhas, descendo árvores, descalços e com gravatas visitando lugares diferentes. já se conheciam, portanto. havia sempre o que dizer. dizem que é deste tipo de recorrência que surgem as amizades, da possibilidade de olhar a cada encontro no olho do outro e saber falar daquela geografia iridológica e dizer dos lagos, do ar que sai empurrando as palavras nas escarpas do sentido ou apenas ouvir a devolução das palavras pelas rochas penduradas no abismo.

a estrada era palmilhada e, no entanto, desconhecida. nunca se sabe onde acaba, apenas quando se encontra o fim ou o fim encontra o caminhante. a estrada tem pedras e delas pode-se utilizar o peso. o peso poderá servir para manter a barraca esticada, a linha no fundo da água, para quebrar um coco ou fazer fogo. mas a pedra poderá servir também para atingir o outro, o pecador( o homo saccer) aquele que pode ser sacrificado. que atirem a primeira pedra aqueles cujo telhado é de papel. a estrada pode ser outra, off trail, com rosetas (que dizem alguns, são espinhos estrelares. o contrário do peso muitas vezes pode ser pior, difícil de sustentar, porque somos humanos.

mas dizia que estes peregrinos, amigos então, em virtude dos vários encontros estrada a fora e a dentro, se encontraram e se cumprimentaram sem perceber. pararam para descansar. pensavam provavelmente em seus caminhos e talvez, no quanto eram humanos ainda. talvez pensassem o quanto teriam de caminhar para desgastar esta humanidade, para limar os estratos de ciência até voltar ao aberto da vida animalesca e aí, neste estado, encontrar um pouco mais de verdade, de vastidão onde a palavra não fosse tão difícil de pronunciar; talvez tivessem pensado ou relembrado que, de tudo, sempre foi mais importante a verdade;que esta é uma palavra que gosta de companhia e sempre estará junto aos sentimentos como amizade e respeito, sempre em movimento também, pois não há nada absoluto (nada que não se dissolva). talvez estivessem pensando quando seria o próximo encontro. se realmente haveria, por que nesta estrada, os caminhos se bifurcam infinitamente, mas só enquanto se está vivo. (depois, aí sim, o silêncio do sujeito) se olharam outra vez, mas nada foi dito.

talvez para eles o silêncio seja importante em muitas ocasiões da vida, mas acredito que se ele existe, o silêncio, é porque ele é potência, promessa da palavra que retorna, assim como nascem homens. homens que se enganam tanto com as palavras (mesmo gostando delas) quanto com o silêncio. o silêncio contém uma algaravia de vozes esperando a vez, proclama aquilo que pode ser a verdade ou a pedra má. o silêncio pode ser um dia de sol sem vento ou a noite tempestuosa; o sonho, o gozo, mas também a dor, suador.

queria contar a história deste encontro entre amigos nesta estrada antiga e no entanto, desconhecida por ser mutável; queria contar que ali se encontraram em júbilo por não estarem sozinhos, por saberem que se há aquela estrada ali, é por que muitos pés e muitas vezes os seus próprios pés ajudaram a trilhá-la. a estrada é o silêncio do homem, o depois da palavra. queria sim contar essa história, mas o silêncio atingiu a cena como um meteorito (a pedra) e a estrada ficou dentro da cratera e os dois caminhantes dentro da estrada, quase perdidos no silêncio. eles talvez quisessem saber não o motivo do meteorito, mas o motivo da estrada e do silêncio. a resposta silenciosa ecoou, um eco às avessas, surdo, como se o meteorito retornasse subitamente ao incomensurável espaço sideral e entrasse em um buraco negro, talvez ali, a casa do silêncio, mas nunca no coração de peregrinos.

as cabeças baixas permaneceram à beira da estrada enquanto a história, de cabelos brancos, rodava sua saia sorridente ao longo do caminho. sorria pois sabia que esta história seria contada outra vez, e outra e outra e sempre seria diferente. a história sorria dos homens porque sabia que o encantamento do mundo não brilha, a não ser depois de esquecido como ruína. o brilho e o homem, assim como a palavra, são transitórios.


Cristiano Moreira

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