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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Shânkara Lis Martins Karl, minha filha


CARTA À MINHA FILHA

Adorei tua carta, Shân.

Breve comentarei, em minúcias,
tudo o que escreveste nela.

O que posso te dizer, agora, é o seguinte:
eu e o Algo (ou o Deus) somos um;
tu e o Algo (ou o Deus) são um.

Nossa origem é celeste: nossa origem é muito profunda.

Quando se fala do Algo, está se falando do quê?

Perceba que, em vez da costumeira palavra Deus, a palavra que se está usando agora é Algo, que é a mesma coisa que dizer x ou mistério. Quando se diz Algo está se afirmando a liberdade, sim, o livre-arbítrio de termos consciência de que somos muito mais que pó.

Se quisermos achar que somos apenas pó, nada mais, é o que seremos: isto é livre-arbítrio: nós escolhemos se vamos ser babacas ou elegantes: nós construímos e despertamos nosso mundo interior, ali onde reinamos soberanos.

O filósofo alemão Nietszche disse: "Deus não nos quer como ovelhas, mas como co-criadores".

O Algo não é ação, mas sublime ação: ação que vem daquilo que é o mais alto em nós: e o que é o mais alto em nós move o Sol e as outras estrelas: o Algo é o amor (outra palavra um pouco gasta): por tudo e por todos: principalmente pelos mais humildes, pobres, fracos.

Quando se diz Algo, está se dizendo, simplesmente, que somos tudo o que nos cerca: somos a luz e a treva; o tigre e a lama; o podre e o vivo; a pedra e a flor; o vento e a chama; o mar e o peixe; a música e o nada; o medo e a força: o Algo em nós é tudo. Mas precisamos, sim, do livre-arbítrio para escolher se vamos ser o podre ou o vivo; a morte ou a vida; o egoísmo ou o amor. A escolha é nossa, Shân, porque o Algo não é palavra nem imagem, mas vida verdadeira, vida em estado puro: música em estado puro.

A palavra Algo nada quer dizer, mas o que o Algo é mesmo, isto faz toda a diferença.

O Algo é cada detalhe do mundo exterior, só que dentro de ti. E é dentro de ti, Shân, que pulsa teu mundo, com chuvas e músicas, delícias e funduras, mel e sono, tempestade e amor.

Devemos serenamente fechar os olhos e escutar a voz do silêncio que há em nós: esta voz é o nosso diamante sonoro.

Se estás infeliz, fecha os olhos e viaje por teu mundo interno, pois ali és uma deusa e és inteiramente livre, sim!

Se não despertamos pra nossa liberdade interior, não somos felizes; e não somos felizes se não reverenciamos o Deus que há em nós. E pode ser que o Deus (ou Algo) em nós seja a coisa mais simples deste mundo. E o que é a coisa mais simples deste mundo, então?

Namastê: o Deus que há em mim reverencia o Deus que há ti, Shân.

Um beijo, com amor

Fernando José Karl

Um comentário:

Marco Vasques disse...

Os filhos, sempre eles. Sempre nos arrancando um poço de ternura.